9 de junho de 2018

Marty Ehrlich “Trio Exaltation” (Clean Feed, 2018)

Uma das mais citadas frases de Marty Ehrlich é pura fabricação. Surge em livros como “Jazz/Not Jazz: The Music and Its Boundaries” ou “New York Noise: Radical Jewish Music and the Downtown Scene” e diz assim: “Anthony Braxton lançou o seu disco de saxofone solo [“For Alto”, 1969] e afirmou [em notas de apresentação] que ouvia James Brown, Karlheinz Stockhausen, Charlie Parker, Mozart, [a música dos] pigmeus e Marvin Gaye ou algo do género… Como miúdo que era, fiquei com a cabeça a andar à roda. Aliás, a minha geração define-se por isso. Pelo facto de ter subitamente ficado tudo à nossa disposição.” A intenção é boa, claro. E não há dúvida que Braxton terá efetivamente declarado “algo do género” (foi por ocasião do seu primeiro LP, “3 Compositions of New Jazz”, quando explicou ao crítico John Litweiler que se poderiam elencar deste modo as suas fontes de inspiração: “Paul Desmond, Ornette, Eric Dolphy, Jackie Mclean, Karlheinz Stockhausen, Miles, James Brown e Chicago Transit Authority”), embora o ponto não seja exatamente esse.

Ehrlich, como tantos antes de si, identificava-se com essa inesperada posição que Braxton personificava e que visava impossibilitar a institucionalização do gosto ao mesmo tempo que dava mostras de transcender em absoluto os seus próprios limites e idiossincrasias. Se não fosse assim, por sinal, Braxton, nesse mesmo depoimento, não teria sugerido estarmos “em vésperas da queda definitiva dos ideais e valores do Ocidente” – só lhe faltava saudar a Era de Aquário. Infelizmente não sabia Braxton, nem muito menos Ehrlich, que, por vezes, como cantavam os Paralamas do Sucesso (e os brasileiros costumam saber destas coisas), depois da queda ainda pode vir o coice, e que períodos de sucessivo reacionarismo culminariam no atual estado de coisas – “tempos difíceis no mundo” da música improvisada e do jazz, como Ehrlich os caracteriza, em notas de apresentação. Daí que tanto impressionem estes extraordinários temas, este título e este trio (Ehrlich, em saxofone alto, clarinetes e flautas, é acompanhado por John Hébert no contrabaixo e por Nasheet Waits na bateria) que nos vem falar da exaltação do momento. Nunca o melhor jazz pretendeu outra coisa.

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