23 de junho de 2018

Debussy/Fauré: Quatuors (Harmonia Mundi, 2018)

Debussy detestava o adjetivo impressionista. Mas não se queixou quando Eugène Ysaÿe, Mathieu Crickboom, Léon van Hout e Joseph Jacob apresentaram o seu “Quarteto de Cordas” numa galeria de arte de Bruxelas, em março de 1894, rodeados de quadros de Carrière, Renoir, Gauguin, Redon ou Sisley. Imaginam-se as conversas de circunstância: no que ouve, tanto quanto naquilo que vê, o público elogia certamente a vívida intensidade e imediatez, a decomposição da matéria-prima, o desdém pelas regras. Reação diferente tinha a obra gerado em Paris, aquando da sua estreia na Société Nationale de Musique: aí, porventura sem surpresa, dividiram-se as opiniões – e entre a assistência pode ter havido até quem não a tenha considerado suficientemente audaz. Afinal, a apoteótica apresentação do “Quarteto de Cordas” de César Franck três anos antes, pouco antes do compositor falecer, estava ainda fresca na memória de todos. E eis que surgia Debussy a explorar ciclicidade temática de modo semelhante, a recorrer, como o seu predecessor, a quatro andamentos (e Debussy não tornaria a dividir uma obra bem assim) e a articular ideias de maneira análoga à de Franck – não importa se tudo o que os aproxima é exatamente o que serve para os distinguir. 

Dez anos depois, quando Ravel deu a escutar o seu “Quarteto”, os argumentos usados para o comparar com Debussy não foram diferentes dos que serviram para confrontar Debussy e Franck. Será um pouco como pôr a par as personagens de Al Pacino em “O Padrinho: Parte III” e “Perseguido pelo Passado” para chegar à conclusão que são uma só, quando, na realidade, elas pretendem o mesmo: deixar de carregar a História aos ombros como uma fatalidade. Na interpretação do quarteto Jerusalem – porventura a mais conseguida desde aqueloutra do quarteto Ebène, de 2008 – é para isso que se aponta, com uma concentração que não compromete o evanescente charme de cada obra, nem a sua flexibilidade rítmica ou, no fundo, aquilo que tão bem as define: o encantamento da forma.

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