Há coisa de 20 anos, numa esplanada de Lucerna, conversava
com Stefan Winter acerca de Tim Berne e da dificuldade em manter músicos destes
presos a uma estrutura editorial: “Ah, o Tim é um perfeito rebelde”, dizia-me. “Tocava
em alguns dos álbuns que eu produzia na JMT, gravava para a CBS, mas falavas com
ele e percebias que se tratava de alguém que gostava de manter as opções em
aberto. Extremamente focado, mas muito livre, também. Entre 1989 e 1995, por
aí, trabalhámos mais um com o outro e ainda me acompanhou na transição para a
Winter & Winter. Ele tinha objetivos bem traçados. O problema é que se aborrecia
depressa e não era nada fácil seguir-lhe o ritmo.” Pois, aos 65 anos, Berne muda-se
de armas e bagagens da ECM para a Intakt.
No contexto dos Snakeoil, mantendo-se o núcleo duro de Matt Mitchell
(piano), Oscar Noriega (clarinete baixo) e Ches Smith (bateria) [na foto], não é, no
entanto, a única alteração digna de nota, ou sequer a mais importante: aqui, o
guitarrista Marc Ducret substitui Ryan Ferreira. De repente, de facto, até
parece que voltámos aos tempos da JMT, quando Berne e Ducret lançavam “Pace
Yourself” (1991) com os Caos Totale, serviam de catalisador à música de Julius
Hemphill em “Diminutive Mysteries” (1993) e com os Bloodcount mudavam de sítio
as partes do corpo do jazz moderno nos três seminais volumes de “The Paris
Concert” (1995) – o seu impacto foi devastador, mas, como um tema deles dizia, ‘It
Could Have Been a Lot Worse’.
Agora, incluindo em ‘Dear Friend’, de Hemphill, a
intenção de Berne ao recorrer a Ducret era a de deitar areia na engrenagem:
“[Introduzir] uma personagem nova põe toda a gente em sentido”, confessa, em
notas de apresentação. Sim, realmente: basta pensar no Negan de “The Walking
Dead” ou no Ramsay Bolton de “A Guerra dos Tronos”. Tudo isto, porque, como dizia
Henry Hill (Ray Liotta) de James Conway (Robert De Niro), em “Tudo Bons
Rapazes”, estamos com certeza a lidar com aquele “tipo de pessoa que nos filmes
se põe a torcer pelo mau da fita”. Neste “The Fantastic Mrs. 10” não há uma
linha reta – aliás, ouvindo-o, imaginam-se os músicos dobrados sobre si mesmos
a dar expressão àquele paradoxo que diz que “um atalho é sempre a distância mais
longa entre dois pontos”. Em partes iguais repressivo e catártico, sério, grave,
mas capaz de falar na língua das chamas, de âmago inviolável mas ímpio, o disco
devora contradições. A maior? Mostrar o que faz um apóstata quando se vê
rodeado de apóstolos. Como escreveu Richard Howard, num poema: “[Aos 65] pára de
esperar/ Vira-te para trás/ E […] ficarás espantado ao entender que a memória é
infinita/ A vida, longa/ E tu/ Tu, afinal, és imortal.” Para banha da cobra não
está mau.
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