Saído da boca de Nicola Sturgeon, incumbente chefe
de governo do país, e na ressaca das eleições antecipadas de 12 de dezembro,
ainda há pouco se ouvia: “Não se pode manter a Escócia presa ao Reino Unido
contra a sua vontade”. Dito e feito, antes de acabar o ano, num postal de Natal
que Boris Johnson terá evitado pôr com os outros na consola da lareira, a líder
do Partido Nacional Escocês requeria autorização a Westminster para referendar
a independência. Realmente, não se imagina outro par de CD que tão bem ilustre o
que deveriam ser os hábitos de audição da senhora. Por um e outro disco
representar, sobretudo, um período de voraz e veemente cosmopolitismo nas
respetivas nações, sim, mas igualmente por, em essência, simbolizar cada qual uma
maneira radicalmente distinta de o entender: no caso escocês, e simplificando, como
forma de conferir prestígio à cultura popular das classes mais desfavorecidas;
no caso inglês, numa das suas muitas reificações, grosso modo, como exercício
de soberania das classes privilegiadas.
Pegando em “Tullochgorum” e em “The
Contrast”, de facto, escutar, no primeiro, o arranjo de Haydn para ‘The Mucking
of Geordie’s Byer’, em que uma camponesa se orgulha de ter casado por amor, mesmo
que tal implique passar a vida a limpar estrume na vacaria do marido, estabelece
o cosmopolitismo como uma aspiração voluntária tanto quanto, no segundo, ouvir,
em ‘The Lord Mayor’s Table’, de William Walton, a descrição de abundantes taças
de vinhos de Bordéus, Canárias ou Reno à mesa do poder londrino o remete para o
domínio dos atributos inerentes. Embora estas coisas sejam muitíssimo mais
complicadas – no tempo de Haydn, a sujeição do dialeto de Robert Burns,
digamos, ao idioma poético-musical vienense chegou a ser visto como crime de
lesa-pátria e, já agora, os elementos menos anglicanos na obra de Walton, por
exemplo, nunca foram exatamente do gosto das elites –, são também suficientemente
universais para que não se dê por elas. Como estas canções, que não ambicionam
a mais que ser canções e nós não deixamos em paz por nada deste mundo, pondo-as
umas contra as outras tal como nos pomos, a nós, uns contra os outros. Não há
cosmopolitismo que aguente.
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