Isto, como milhões de pessoas fazem questão de
repetir em coro, e em piloto automático, ao volante do automóvel, mesmo quando
estão paradas no trânsito, cantavam já os Beatles: “Ob-la-di, Ob-la-da/ Life
goes on, brah!” Exatamente: que a vida continua. O que não quer dizer que de
vez em quando não se complique seriamente, claro. Que o diga Sir Paul McCartney:
não só John, George e Ringo não morriam de amores pela cançoneta – o que explica
que nem em Inglaterra nem nos EUA viesse a sair em single – como circulavam rumores pela imprensa britânica de que se
estava perante um ato de apropriação cultural (o percussionista Jimmy
Scott-Emuakpor jurava que sim). Agora, após doença e consequente cancelamento
de concertos, inclusivamente em Portugal, é Carla Bley, em suíte, e não sem
ironia, que recorre por sua vez à expressão: ‘Life Goes On’, ‘On’, ‘And On’,
‘And Then One Day’, lê-se. Seja como for, não terá ganho para o susto – e
imagina-se o seu companheiro de longa data, o baixista Steve Swallow, a fazer
contas à vida a partir de uns versos da poetisa israelita Raquel Chalfi: “O que
significa ir para a cama com uma mulher de 21 anos/ Por oposição a ter de se
levantar diariamente da cama sem uma mulher de 81”? Pois, é octogenária que
Bley consegue um feito que não se imaginava já ao seu alcance: adicionar
escritos ao cânone.
Comparando, até, com colheitas vintage, dir-se-ia que contraria de modo exemplar a tendência para
a hipérbole que lhe era tão característica, em obras algo perversas que, essas
sim, tinham pilhas para durar e durar sem fim à vista. Era, na altura, como se
cada gesto de efetiva exploração – o que, na verdade, e no seu melhor, era uma condição
indispensável às suas composições – tivesse de ser concomitantemente
acompanhado por outro de pura expiação. Aqui, com os judiciosos Swallow e Andy
Sheppard, revela absoluto domínio emocional e intelectual sobre cada peça. De
certa maneira, dá mostras de querer inverter o famoso aforismo do “ars longa, vita brevis”: para manter ao
largo os imponderáveis da vida, quiçá, converte através da arte toda a
experiência acumulada numa fórmula concentrada. Irrepreensivelmente em
‘Beautiful Telephones’ – inspirada por uma frase de Trump ao entrar na Sala
Oval –, em que, não obstante estender o tapete a uma citação de “Marcha
Fúnebre”, de Chopin, reúne em torno de si os fantasmas daqueles a que no
momento certo chegou a prestar homenagem em notáveis atos de criação colectiva
orientados por Hal Willner: de Nino Rota, Thelonious Monk e Kurt Weill, a que
teriam de se acrescentar os de Satie e Charles Ives. É que, como cantou Carmen
Miranda, “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”… E o mundo não se acabou.
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