Aí em cima, na ficha, não dá para perceber. E, na
capa, só à lupa. Mas, como se, por acaso, alguém – ou uma gata, que é
geralmente o que me acontece – tivesse carregado no Caps Lock no momento exato
da sua composição, dá-se no título deste CD por um assalto capitular que, na
verdade, é em tudo programático: “Strangers in PARadISe”, lê-se. Isto é,
contrariamente às expectativas, não estamos em Mercúrio, como no conto de Asimov,
mas, sim, em Paris – seja como for, ouvindo o violino de Tishchenko, não há
como não sacar o livro da prateleira, ir diretamente às últimas linhas e escrever:
“Deu um pulo e ergueu-se lentamente no ar com uma liberdade que nunca sentira,
e novamente deu um pulo, ao pousar, e correu, e saltou, e de novo correu, com
um corpo que respondia perfeitamente a este mundo glorioso, a este paraíso em
que finalmente se achava. Um estranho, tão longe e tão perdido, finalmente no
paraíso.”
Frase que descreve o que se dá com o antropomorfizado Stradivarius da
ucraniana no contacto com a “Sonata Nº 3” de Ysaÿe, com a “Sonata Nº 2” de
Ravel, com a “Sonata Nº 3” de Enescu e com a “Sonata Nº 1” de Prokofiev. Pensando
no instrumento, olhando bem para o que tinham acabado de compor, qualquer um deles
poderia ter chegado à mesma conclusão que os protagonistas do conto, reagindo
ao que viam: “Tem um mundo para o qual o seu novo corpo está perfeitamente
adequado, em troca deste mundo ao qual o seu velho corpo não se ajustava de modo
algum”. Os primeiros três em plenos années
folles, com o jazz a desfibrilhar tudo em que tocava, incluindo o folclore,
como no caso do romeno (e Tishchenko evoca-os com uma leveza rara, mas nunca
menos que elétrica); o russo no pós-Guerra, longe da glória obtida na capital
francesa, com o bafo de Estaline a colar-se-lhe à nuca e consciente de que
tinha de importar para a sua obra algo que Asimov resumiu assim: “Temos de estudar
padrões genéticos em ação, se nos quisermos entender, e são os padrões anormais
e monstruosos que mais informações nos dão”. Aqui, até arrepia.
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