15 de fevereiro de 2020

Evan Parker/Paul Lytton “Collective Calls (Revisited) (Jubilee)” (Intakt, 2020)


Como é que se lê, em Levítico 25:10? “Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam. Este ano será para vós um Jubileu: cada um de vós voltará à sua propriedade e à sua família.” Certo. Mas, pelos vistos, e como costumam dizer os ingleses, algo que é, também, mais fácil de dizer do que fazer. Talvez por isso, por estarem atentos aos cabeçalhos dos jornais, e decorridos que estão 50 anos desde a sua primeira atuação pública conjunta, tenham ido Parker e Lytton buscar inspiração a um livro de Elias Canetti que reporta a acontecimentos decorridos durante a Segunda Guerra Mundial e que inclui frases tão desconcertantes quanto esta: “Em pleno dia, olhava-se para o céu e seguiam-se os rastos dos aviões como um evento esportivo. Era tão excitante!” No original, chama-se “Party im Blitz” – e trata-se, segundo os seus editores brasileiros, que o colocaram no mercado com a designação de “Festa sob as Bombas”, de uma “colcha de retalhos social tecida com fina ironia, com seus nobres decadentes e vaidosos, artistas presunçosos, emigrados e refugiados sem tostão ora deprimidos ora eufóricos.” Não admira, na era de Boris, que lhes venha à memória – logo a eles, que sempre fizeram profissão de fé na abolição de fronteiras – e que trechos aí sacados sirvam agora para batizar os temas deste CD: de ‘A Little Perplexing’ e ‘Confused About England’ a ‘What Has it Become Entangled with Now?’ e ‘England Feels Very Remote to Me’. Que é, claro, o tipo de comentários que promoviam nas plateias de há 50 anos atrás – em notas de apresentação incluídas em “Three Other Stories (1971-1974)”, Martin Davidson recordava como “despertavam a ira das falanges mais conservadoras por recorrerem àquilo que era entendido como ruído” (Lytton, aliás, militava nos White Noise)! E como é bom perceber que tanto tempo depois de “Collective Calls (Urban) (Two Microphones)”, explorando as dinâmicas de sax tenor e bateria, insistem em pôr parênteses à frente daquilo a que coletivamente chamamos música!

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