22 de fevereiro de 2020

Losy: Note d’Oro (BIS, 2020)

Com cerca de 35 peças, e a rondar os 80 minutos, esta é, que eu saiba, a mais abrangente coleção jamais dedicada à belíssima obra para alaúde de Jan Antonín Losy – mais coisa menos coisa, reúne 1/5 da sua produção autenticada. Pouco mais do que se conhece de Kapsberger, por exemplo, um compositor de recursos infinitamente menores, mas, no entanto, muito aquém do que nos chegou de contemporâneos seus – e expoentes no género – como Weiss e Visée. Não será de estranhar, claro: afinal, o Sr. conde Johann Anton Losy von Losinthal tinha outras, seríssimas obrigações. Seja como for, dir-se-ia que a nenhuma delas se apegava tanto quanto a esta, para a posteridade assim descrita: “Deixava-se ficar na cama pelas manhãs a tocar um pequeno alaúde que tive o privilégio de escutar com frequência. Se lhe viesse à ideia algo que lhe agradava, anotava-o de imediato, arrumando o apontamento numa caixa guardada para o efeito. Após a hora do almoço, na saleta em que tinha o cravo, tocava violino. E é difícil descrever o prazer que Sua Graça extraía da música. Certas passagens satisfaziam-no de tal maneira, aliás, que as repetia uma e outra vez, aqui e ali prolongando uma dissonância que fazia questão de saborear até, por fim, exclamar ‘È una nota d’oro’!”

Isto foi Gottfried Heinrich Stölzel que escreveu, recordando o seu tempo de mestre-capela em Praga, à qual chegava acabadinho de vir de Itália, onde música e alaúde eram quase sinónimos (basta lembrar “Concerto”, de Caravaggio). Como tal, não se vislumbra alguém tão bem equipado para reconhecer o muito do estilo italiano que havia em Losy, embora, em rigor, o Sr. Conde nos tenha deixado ainda mais peças naquele estilo francês, tão em voga, de caráter improvisado, arpejos irregulares e contraponto pseudo-imitativo, em que se destacavam linhas melódicas ambíguas. Já uma certa predileção por motivos mourescos, para não dizer hispânicos, ficou, quiçá, por identificar – mas será impossível deixar de relacionar aquilo que se ouve na “Chacona em Fá maior”, digamos, com a chegada à Boémia, por casamento com Leopoldo I, de Margarida Teresa, infanta de Espanha (e, já agora, peça central em “As Meninas”, de Velázquez, na altura em que a Casa de Áustria se entretinha a jogar às damas com as cortes de Lisboa e Madrid). Como é óbvio, depois da Guerra dos Trinta Anos, longe do tempo de Rodolfo II, Praga já não é o que era – e, agora, quando nos salões dos seus palácios se pedia um slow, como a melancólica “Sarabanda em Fá maior”, de Losy, prima direita da ária de “Variações Goldberg”, de Bach, era à saudade desses anos dourados que se dava corpo.

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