8 de fevereiro de 2020

Abrahamsen/Pesson/Strasnoy: Piano Concertos (Erato, 2020) + Jean-Guihen Queyras & Alexandre Tharaud “Complices” (Harmonia Mundi, 2020)


Em capas de discos, e em materiais de promoção, Alexandre Tharaud costuma aparecer de braços abertos – ainda há pouco, em “Versailles”, esticava-os mais que Ronaldo “Fenómeno” ao festejar um golo. Era como se quisesse simbolizar tudo aquilo que subitamente conseguia abarcar, numa incursão pelo barroco de perder a cabeça que começava na corte de Luís XIV, passava pela de Luís XV e terminava na de Luís XVI. Tocava Rameau, De Visée, Royer, D’Anglebert, Duphly, Balbastre e François Couperin, mas, no fundo, comportava-se como Charlize Theron naquele anúncio da Dior, quando, em plena Galeria dos Espelhos, em Versalhes, ela diz: “O passado pode ser belo: uma memória, um sonho. Mas não é lugar para se viver. É hora de seguir em frente!”

Foi exatamente o que Tharaud tentou fazer – em “Piano Concertos” – com três primeiras gravações de obras de que é dedicatário: “Left, Alone”, de Hans Abrahamsen (com a Filarmónica de Roterdão e Yannick Nézet-Séguin), “Future is a Faded Song”, de Gérard Pesson (com a Sinfónica da Rádio de Frankfurt e Tito Ceccherini), e “Kuleshov”, de Oscar Strasnoy (com Les Violons du Roy e Mathieu Lussier), gente prontíssima a trocar-lhe as voltas, como é óbvio. Talvez por isso, então, seja agora fotografado em poses que trazem à memória o David Bowie de “Heroes” e o Iggy Pop de “The Idiot”, quando, nas capas desses seus respetivos álbuns, se puseram a recriar “Roquairol”, um quadro de Erich Heckel que, por sua vez, se diria inspirado pela personagem homónima de “Titã”, do escritor Jean Paul: aquela, que, exposta a tudo quanto havia para ver e ler, acreditava que a vida não era mais que uma sucessiva citação de obras de arte. Muito pouco canónicos, trata-se de concertos em que se dá pelos vestígios do Pessoa que afirmou: “O futuro, não o conheço. O passado, já não o tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada.” Ou, como disse T. S. Eliot, para o qual aquele título de Pesson aponta: “Que o futuro é uma canção desvanecida.”


Disso mesmo se ocupa “Complices”, com Queyras e Tharaud mergulhados nos tons pastel de Kreisler, Vecsey, Fauré ou Saint-Saëns e a lembrar que, por vezes, escreveu-o também Eliot, “o caminho para a frente é o caminho para trás.”

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