Há 20 anos, quando se estreou com “Who is It?”, Laubrock
espelhava a reação de amantes de jazz do mundo inteiro à menção do seu nome. Na
altura, fazia uma versão de ‘Com Açúcar, Com Afeto’, de Chico Buarque, mas,
hoje, dada a importância que adquiriu no circuito internacional e os projetos
em que se vê envolvida, só mesmo Tom Rainey, o marido, para cantar “Com açúcar,
com afeto/ Fiz seu doce predileto/ Pra você parar em casa/ Qual o quê!” O que
explica a necessidade de tocarem em conjunto (Rainey é baterista), como na última
edição do Jazz em Agosto. São situações em que é normal projetar-se a sombra da
intimidade, com o reconhecimento mútuo que isso implica, embora, por vezes, se
pareça antes convocar as igualmente previsíveis infidelidades que tamanha
proximidade gera. Takase, que também costuma dar concertos com o marido (o
pianista Alexander Von Schlippenbach), sabe bem o que é ter de lidar com estas
continuidades e descontinuidades e com as diferenças que os membros de um casal
têm de aceitar um no outro – com tudo o que o dueto habitualmente promete e o
muito que na sua prática fica por cumprir. Em estúdio, o desafio será
contrariar a sensação com que se fica, ao vivo, aqui e ali, sempre que dois músicos
se reúnem, buscam um espaço comum, expõem e empurram reciprocamente para fora das
respetivas zonas de conforto, acusam o desgaste, contabilizam perdas e acabam a
conhecer-se profundamente e a estranhar-se em partes iguais. Talvez por se considerarem
integrantes de algo maior e mais complexo do que aquilo que regra geral ata e
desata as pessoas umas às outras, Laubrock e Takase não caem nessa armadilha e,
ao invés, vinhetas como ‘Dark Clouds’, ‘Sunken Forest’ ou ‘Carving Water’
assemelham-se a instantâneos de paisagens e de lugares mais ou menos
imaginários, que, como dizia Clarice Lispector, em “Água Viva”, são
“simplesmente já”. Nem por acaso, o último tema do disco, que tanto fala à
História do jazz, chama-se ‘Luftspiegelung’, uma palavra alemã para miragem.
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