18 de abril de 2020

Bernardi: Lux Aeterna – Ein Salzburger Requiem (Arcana, 2020)

Na capa, um pormenor de “Sepultamento de Jesus”, de Ignazio Solari – vem a propósito, terminada que está a semana santa, não obstante se ter discutido mais a recuperação da economia do que a ressurreição de Cristo, este ano. Será, até, muitíssimo apropriado, tendo em conta que o quadro pertence à coleção da Catedral de Salzburgo, cujo arquiteto foi Santino Solari (pai de Ignazio) e cuja cúpula octogonal foi o amplificador original das obras de Bernardi. Não se pense, no entanto, que em 1629 (data da publicação de uma solaz “Missa de Defuntos” que é a grande razão de ser deste extraordinário CD) os incumbentes descuravam assuntos terrenos – em “Os Noivos”, de Alessandro Manzoni, lê-se que, na altura, os encargos com a guerra não podiam ser diferidos: “Sed belli graviores esse curas”. De modo crucial para esta história, aí, o contexto era a entrada da peste com as tropas alemãs em território italiano no decurso da Guerra dos 30 Anos: “Por toda a faixa de território percorrida pelo exército, tinham sido encontrados alguns cadáveres nas casas, alguns nas estradas. Pouco depois, neste ou naquele vilarejo, começaram a adoecer e a morrer pessoas e famílias de males violentos, estranhos, com sintomas desconhecidos para maior parte dos viventes.” Nessa perspetiva, não é difícil imaginar o veronês Stefano Bernardi (1577-1637) a aceitar o cargo de mestre-capela no príncipe-bispado governado por Paris de Lodron, reduto católico que se manteve neutro durante o bárbaro conflito – ainda assim, devia levar consigo o desamparo e desconsolo daquela desgraçada gente que pelo caminho ia cruzando (e salta novamente à memória o romance de Manzoni: “Em todos os lugares encontraram povoados fechados com portões, outros quase desertos, tendo os habitantes fugido, ido para os campos ou se dispersado – pareciam criaturas selvagens, uns trazendo menta nas mãos, outros arruda, outros alecrim, outros uma garrafa de vinagre.”) Sem que o pudesse admitir, ao libertar tamanha emoção numa obra contaminada pelo mais catártico em Gabrielli, era em nome dessa gente que compunha. Sem que o pudesse saber, seria preciso nova pandemia para que viesse a ser relembrado.

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