25 de abril de 2020

Kaja Draksler Octet “Out for Stars” (Clean Feed, 2020)

Em notas de apresentação, Draklser evoca a Eslovénia rural da sua infância, um espaço em que tudo acontecia tão lentamente, presume-se, que cada um dos seus elementos constituintes parecia estar a posar para um retrato a óleo: “Bosques, colinas, água corrente, lavradores a amanhar a terra, sinos a tocar, cães a ladrar, deambulações noturnas pela vila”, cores primárias na composição de um cenário profundamente arquetípico que, mais que a essência de um lugar, se diria representar um estado de espírito – o de quem equipara o campo a uma espécie de paraíso perdido. Terá sido o que inicialmente a atraiu na poesia de Robert Frost (1874-1963) – outro, como Kaja, que bem soube o que era (sobre)viver numa zona “de baixa densidade populacional, não excessivamente cultivada, nem inteiramente selvagem”, a fim de explicar a “complexidade da condição humana” em versos de “intrínseca musicalidade”, diz ela. Escuta-se ‘Never Again Would Bird’s Song Be The Same’, de facto, e lá somos transportados para aquele primevo palco em que Deus colocou Adão e Eva, com Draksler (em idiofone dedilhado e piano), Laura Polence (voz), Björk Níelsdóttir (voz), Ada Rave (sopros), Ab Baars (sopros), George Dumitriu (cordas), Lennart Heyndels (contrabaixo) e Onno Govaert (percussão) a organizar a mais teatral reprodução de zumbidos e zunidos, gritos e grunhidos, roncos e rugidos, berros e balidos num disco de jazz desde que François Tusques gravou “Le jardin des délices” (1992). Noutro contexto, pelo óbvio mecanismo de repressão que lhe está subjacente, tamanho condicionante corromperia a ação de qualquer um, mas esta música é tão livre e solta que se traduz, antes, por um desinibido ato de provocação – com as suas canções de câmara, cabaré ou campesinato, chamem-lhe o que quiserem, até quem se pusesse a narrar a ascensão e queda do octeto, concentrando-se nas duas décadas que medeiam ‘Schizophrenic Scherzo’, do Dave Brubeck Octet, e “Machine Gun”, do Peter Brötzmann Octet, teria dificuldade em prender esta formação ao chão. Talvez por isso tenha ido Kaja ter ao autor de “O Caminho Não Percorrido”.

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