Porventura atento às conferências de imprensa diárias de
Trump, o Met emitiu há coisa de uma semana o “Boris Godunov”, de Mussorgsky –
de facto, há mesmo alturas na vida em que o nosso destino é sofrer às mãos de
tiranos. Seja como for, teria sido mais apropriado lembrar a canção em que o
compositor russo antecipou o live streaming:
“Cada momento como um relâmpago passa apressadamente/ Fixando-se ansiosamente numa
felicidade tão distante/ Duvidando sempre, sofrendo sempre/ Assim passa a noite,
tão solitariamente”, ouvia-se, em “Entre Quatro Paredes”. De facto, imagina-se
a nota de rodapé que Hannah Arendt teria de acrescentar a uma edição revista de
“A Condição Humana”, quando, aí, refere que só entre quatro paredes encontramos
refúgio ante o mundo público comum – “não só contra tudo o que nele ocorre mas
também contra a sua própria publicidade, contra o facto de ser visto e ouvido.”
Nada mais equívoco, numa quarentena que rejeita que o conceito de privado possa
ter como base a ideia de privação. Será algo a ter em mente, amanhã, às sete da
tarde, quando Barbara Hannigan surgir como dominatrix
do apocalipse, em “Mistérios do Macabro”, de Ligeti, ponto alto num programa dirigido
por Simon Rattle que inclui obras de Berg, Stravinsky e Webern, a exibir no
canal de YouTube da London Symphony Orchestra (o registo é de janeiro de 2015).
Também de mistérios virá falar o pianista Jeremy Denk: segunda-feira, à meia-noite,
em direto de Nova Iorque, e a partir do site
e das páginas de YouTube e Facebook do Green Space, apresenta “The Mysterious
Life of J.S. Bach”. Por sinal, no âmbito do ciclo “Live with Carnegie Hall”, o
destaque da semana passa precisamente pela reunião de Denk com Joshua Bell e Steven
Isserlis (na foto), quinta-feira, às 19h, quiçá para tocarem trios de Mendelssohn,
Shostakovich ou Rachmaninoff, como na sua última digressão conjunta, para que,
aqui, no inferno de Sartre, nada nos falte.
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