Em janeiro de 2019, em entrevista à “Platea”, e
precisamente a propósito de Ravel, Javier Perianes foi confrontado com a
questão da apropriação cultural (pelo ar, ainda, o eco das palminhas aciganadas
de ‘Malamente’, de Rosalía): “Não me atreveria a afirmá-lo de modo categórico”,
respondeu o pianista, ciente de que se discutiam práticas que, em rigor, não
pertencem exclusivamente a ninguém. “Temos de reconhecer que Ravel permite uma
visão de Espanha extremamente refinada em algumas das suas peças. Diria que a
perspetiva francesa de inícios do século XX era de um folclorismo requintado.
Ou seja, que, a partir de postulados muito seus, assimilava elementos da nossa
música que imediatamente estilizava com cores e recursos próprios. Aliás, em
França, senti sempre que o público reagia de forma muito positiva à música
espanhola, como se de alguma maneira nela fosse encontrando algo de si mesmo”,
explicava. Estava já a falar de espelhos – ou, pelo menos, da transferência
para o plano figurado daquela empática relação com espelhos que, segundo Lacan,
desenvolvemos, ali, entre os 6 e os 18 meses, e que leva a que nos situemos no
mundo. Agora, neste curiosíssimo CD, que se diria saído do campo da psicologia
cognitiva, é Ravel que Perianes põe ao espelho: “De um lado, o compositor que
escrevia originalmente para piano; do outro, o genial orquestrador”, anuncia. Isto
é, com Pons, propõe que escutemos, de seguida, “Alborada del gracioso” e “Le
Tombeau de Couperin” nos seus enunciados iniciais e nas suas formulações
revistas, tornava Ravel às suas partituras como Monet aos seus nenúfares. Pressuposto
que me traz à memória o dia em que visitei a casa-museu de Ravel, em Montfort-l’Amaury,
e me senti a profanar o templo de um solipsista, quando tudo o que conhecia da
obra dele apontava em sentido inverso: também aqui, numa articulação clara e arejada,
sobretudo quando faz pivô num “Concerto para Piano em Sol maior” em que alivia o
asfíxico efeito estufa que há anos anuvia a obra, revela Perianes esse delicado
Ravel tão dado aos seus semelhantes, nem que fosse apenas para melhor lhes
captar o reflexo.
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