Last Dream of the Morning – é como se chama o
extraordinário trio de John Butcher, John Edwards e Mark Sanders. Se o
levássemos à letra, aqui, seria como se os sons do sudeste asiático nos
sufocassem os sentidos ao acordar e nos sentássemos na cama subitamente cintados
pelo suor, cercados de incenso, siderados pelo lasso ziziar das cigarras longe
das cidades – saxofone, contrabaixo e bateria as únicas formas reconhecíveis
entre as sombras e as fumaças. Trata-se, em rigor, de pôr em cena a atávica etiqueta
do ritual que há na música, com os seus gestos sagrados e aquela mediúnica
capacidade de, ao vivo, em concerto, atribuir expressão concreta à imanência pura
do momento presente. Como poucos, mas como todos os outros, os discos de John
Butcher fazem questão de nos lembrar que são apenas instantâneos abruptamente
subtraídos à realidade, uma receita para o medo que a nossa impermanência nos
mete.
Durante o confinamento, como se
estivesse a exercer uma espécie de prerrogativa qualquer, dei por mim a
revisitar “The Geometry of Sentiment” (2007) e “Resonant Spaces” (2008),
registos dele a solo, alguns dos quais em locais insólitos, lembretes de que a
intimidade é frequentemente governada por circunstâncias que fogem ao nosso
controlo – e quando me fez “Crucial Anatomy” e “Old Paradise Airs” chegar às
mãos, foi como se me tivesse lido a mente. Como de costume, dá-se por Butcher a
escalpelar os subsistemas da linguagem em ambos, a esforçar-se não só para ter
o que dizer mas, sobretudo, em ter como o dizer, enquanto, primeiro, se
encontra num templo zen, a aprender a
separar querer e crer, e, depois, com Beresford, e a língua feita em lava, se vê
mergulhado numa câmara magmática. Nos dois, o mistério de estar num e noutro
sítio sem se perder em lugar nenhum.
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