30 de maio de 2020

Edikanfo “The Pace Setters” (Glitterbeat, re. 2020)


Há coisa de dez anos, tinha ele acabado de escrever notas de apresentação para “Ghana Funk from the 70s”, na Hippo, entrei em contacto com John Collins, instrumentista, investigador e docente na Universidade do Gana. Trocando impressões sobre a avalanche de antologias focadas em música ganesa que na altura atingia o mercado, dizia-lhe que achava extraordinário nenhuma delas incluir os Edikanfo, dos poucos a terem sido editados na Europa. “É verdade”, respondia-me. “Mas, se reparar, sob esse prisma, a omissão dos Osibisa será ainda mais escandalosa. Não só, no Gana, se passou a desconfiar das bandas que se atreveram a combinar ritmos ganeses com rock e soul, como, também, na Europa, se passou a questionar a honestidade das bandas africanas que procuraram nos anos 70 e 80 sucesso fora de portas. Sem que o tivessem chegado a gozar, os Edikanfo, no processo, são um dano colateral.” Realmente. Atente-se ao paradoxo nestas palavras do empresário Faisal Helwani, antigo ideólogo da banda, em entrevista à americana “In These Times”, em 2001: “Hoje, no Gana, para se estar na crista da onda, tem de se ouvir música importada enquanto se segura um hambúrguer com a mão direita e uma lata de Coca-Cola com a esquerda!” Pois, em 1981, como esse futuro convertido ao purismo fez questão de garantir, bastava ter-se Brian Eno na cabine – este, por sua vez, via materializar-se a intuição que o tinha guiado a “My Life in the Bush of Ghosts” (com Byrne): que “na interação entre o primitivo e o futurista, as ideias mais interessantes eram as mais antigas”, disse, à “Sounds”. Por sorte, esperava-o em Acra gente que se sabia na primeira linha – em acã, edikanfo quer dizer líder – e “The Pace Setters” resulta de uma notável e elementar tomada de consciência: com Talking Heads à cabeça, de corresponder ao passo em frente que compensasse os dois que dava atrás quem na época pretendia renovar energias em solo africano. Conseguiu-o, em teoria, mas o golpe militar que no final do ano fechou o país impediu-o de o demonstrar na prática – 40 anos depois, é a covid-19 que mantém os reformados Edikanfo presos em casa de passaporte no bolso. A ironia.

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