No Gana setentrional, a cerca de 400 quilómetros da
costa, Ian Brennan interrogava-se acerca dos limites de resistência à tração de
uma cultura: “Até que ponto [este material] pode ser esticado antes de se quebrar?”,
anotava ele, no seu bloco de apontamentos, tentando controlar o derrame de um
microfone ao outro, enquanto ali mesmo, bem à sua frente, quatro homens lhe diziam
a que soa o equivalente anímico a uma fratura exposta na superfície terrestre. Depois,
escreve: “Esta região está na origem do Blues – é de onde eles vieram e, no
fundo, de onde nunca saíram.” Nesse instante, como é óbvio, não estava com a
intuição delirantemente à solta: antes dele, tomados pelo mesmíssimo
pressentimento, cronistas como Paul Oliver e Samuel Charters – isto é, gente que
andou à cata do ponto exato onde o blues
começou, quais David Livingstone ou Richard Burton em busca da nascente do Nilo
– haviam incluído canto responsorial fra fra em “Story of the Blues” (1969) e “African
Journey: A Search for the Roots of the Blues” (1975). Mas, apesar de ter de lidar
com arquétipos semelhantes, Ian não anda propriamente a verter resina sobre ninguém.
Aliás, ao contrário da prática etnomusicológica, como explica em “How Music
Dies” (2016), não tenta isolar um determinado momento, nem fixar o que é por
natureza fluído: pela negativa, Brennan rejeita a ideia de que “produz discos
de ‘world music’”, refuta o “conceito de autenticidade” e recusa-se a ser “visto
como um conservacionista”. Ele é só “alguém que grava discos de punks que, por acaso, vêm de zonas muito
remotas do planeta, onde, por sinal, nunca se ouviu um disco de punk – nem outro disco qualquer, se
formos a ver”, como me pôs por email,
há uns anos. É o caso deste quarteto movido a milho-miúdo, que canta as coisas
da vida (e da morte) com a mesma desarmante crueza com que gerações de bluesmen se puseram a entoar melodias
que começavam pela frase: “Eu hoje acordei”. Pelo menos até ao dia em que não se
acorda de vez. “Tens, aí, o disco para ouvir”, escrevia-me Brennan, de Itália,
em meados de março. “Neste período de confinamento, até a mim me parece mais
pungente”, admitia. Então, não?
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