23 de maio de 2020

Attarazat Addahabia & Faradjallah “Al Hadaoui” (Habibi Funk, 2019)


Há coisa de um mês, nem tanto, no intuito de angariar fundos para apoiar associações e confrarias da cidade, a braços com uma quebra de rendimentos sem precedentes, foi colocado à venda o tema “A Day in Essaouira”, colaboração entre os Parallells (o duo de música eletrónica dos irmãos Thomas e Julien de Bie) e o maâlem de Omar Hayat. Recordo-me da emblemática presença do marroquino, há cinco anos, numa conferência de imprensa do Festival Gnaoua: a diretora artística, Neila Tazi, de um lado, a falar da necessidade de “regressar às raízes” face à crescente comercialização da música gnaoua; ele, do outro, dizendo que sim, com uma t-shirt de Jimi Hendrix colada ao corpo. Provavelmente não se lembravam da ação de Abdelakabir Faradjallah, ali, entre finais de 60 e inícios de 70, quando, com meia dúzia de irmãos e irmãs, primos e primas, e inspirado pelos gnaoua, fundou os Attarazat Addahabia e trocou o guembri pela guitarra elétrica, os qraqeb pelas baquetas, o chèche por um sombrero, o amazigue pelo árabe. Bom, de “Al Hadaoui” não se podiam com certeza lembrar, pois, gravado que foi, em 1972, inédito se manteve até ao momento em que a Habibi Funk o lançou, no verão passado (e que, numa versão revista, repõe agora no mercado). Seria, na época, uma reação àquilo que Faradjallah considerava a apropriação dos códigos da contracultura ocidental por jovens conterrâneos seus que ignoravam quem se opunha já às tendências artísticas dominantes entre si – um óbvio paradoxo que a edição de “Brian Jones Plays with the Pipes of Pan at Joujouka” (1971) expunha ao ridículo. Aqui, seria a partir de um conteúdo nacional divorciado das atividades ideológicas do regime – a prática gnaoua, precisamente – que se chegaria à forma adotada pelos radicais de Londres e Paris que achavam chic visitar Marrocos. Será, porventura, o que explica a edulcoração nesta variante berbere de ié-ié que, no fundo, mais não desejava que compensar os seus agentes por, naquele momento histórico, não puderem ser as pessoas que mais gostariam de ser. Talvez por isso – por parecer ter mais que ver com sentimentos do que com acontecimentos – se mantenha tão atual.

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