Na altura em que namorava o Minimalismo, de modo
fortuito, o dinamarquês Hans Abrahamsen deu por si a escutar cânones de Bach:
“Estava a ouvi-los e a pensar que se tratava de Steve Reich,” explicou, ao “The
New York Times”. É normal: ao jeito de Houdini, reagiam ambos a regras e a restrições,
a começar pelas que eles mesmos se impunham. No caso destas sete toccatas, quase com toda a certeza oriundas
do período em que se fixou em Weimar (com uma breve interrupção, entre 1703 e
1717, ou seja, entre os seus 18 e os seus 32 anos), Bach procurava representar uma
elementar contradição: aderir, grosso modo, ao modelo composicional de
Buxtehude (uma tremenda fonte de inspiração, cujos saraus davam origem a
verdadeiras peregrinações, como os concertos dos BTS, hoje) e, em simultâneo, modulá-lo
à sua maneira, em peças novas que sob os mais variadíssimos aspectos se diriam
antiquadas. Contudo, há uma exceção: porventura a mais expressiva entre elas, que
não a mais bem conseguida, a “Tocata em Sol maior”, BWV 916, tem sotaque italiano,
com a típica alternância entre tutti
e solo, mais sabor que a pizza Quatro Estações e, sob esse
prisma, no seu terceiro andamento, semicolcheias e semicolcheias salpicadas de orégãos,
num esquema harmónico que resultava da sucessiva degustação de pratos
confecionados por Vivaldi, Corelli ou Torelli. Tudo isto, sim, com Bach a
seguir a receita e deixar-se igualmente guiar pela intuição: exemplificam-no a
tétrica jiga no último andamento da “Tocata em Sol menor”, BWV 915, que parece
escrita de trás para a frente; a passada do camelo no Allegro da “Tocata em Dó menor”, BWV 911, mais obsessivamente
escalada que o robalo grelhado no “Àbabuja”, no Alvor; o grotesco arpejar no Allegro da “Tocata em Ré maior”, BWV
912, e na Fuga da “Tocata em Mi menor”, BWV 914, capaz de trazer à memória Jerry
Lewis ao comando de uma máquina de escrever invisível. Não querendo abusar das
metáforas, Suzuki está, aqui, como peixe na água: e, a ele, nenhuma rede o
apanha – quanto mais apertada e bem urdida, mais ele a ilude, precisamente a
espelhar o que havia de arisco e libertário em Bach.
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