Nasceu na ‘vila florida’, em Pamiers, nos Pireneus, mas
passou o resto da vida a fazer jus ao nome do meio: Urbain. Quando se escutam
as canções de Fauré, ébrias de astros e satélites, não será o menor dos
paradoxos a ter em conta. De facto, há algo de reconstitutivo no seu conjunto –
uma espécie de idílio entressonhado que remete para aquele período entre a infância
e a adolescência que lhe foi subtraído à biografia, aos 9 anos, ao ir do campo
para a cidade. Anotado no diário de Émilie Girette, a quem Fauré dedicou alguns
destes opúsculos, há um relato do processo: “São as palavras que o inspiram; a
melodia vai aos poucos maturando na sua cabeça, sem que ele tenha consciência
disso.” O que é o mesmo que afirmar que, nesse instante, pregar-se-iam aos
poemas as suas mais íntimas privações e pulsões, noção extraída a um título
acabadinho de chegar às bancas: “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”,
de Freud. Seja como for, tal a sua contínua introspeção, sim, o patchuli barato
da psicanálise empesta facilmente estas páginas. E nem Mauillon e Le Bozec
permitem outra coisa: como se pretendesse espelhar a existência do compositor, dos
seus 16 aos 60 anos, o programa de “Fauré et ses Poètes” inicia-se com ‘Le
papillon et la fleur’ (1861) e termina com ‘Chanson’ (1906), tinha ele
acumulado mais casos extraconjugais que cargos institucionais, o que não é
dizer pouco. Em notas de apresentação, fala-se de musas como Marianne Viardot e
Emma Bardac, mas esquece-se a compositora Adela Maddison, por exemplo, com a
qual Fauré partilhava o gosto pela escrita de Verlaine, Prudhomme ou Samain – autores
de versos por entre os quais conseguia caminhar em transe, sem deixar grandes
vestígios da sua passagem. Pois, como um dia afirmou, para si, palavras e música
eram uma e a mesma entidade – que, por sinal, transcendeu qualquer outra no
espantoso ato de renúncia e redução em que sua obra se converteu (sem sinfonias
nem concertos). Daí a transparência na voz de Mauillon, em jejum de si mesma e sem
o dramatismo de um Gérard Souzay e daqueles barítonos de antanho que se diriam
ter nascido para cantar “o marrr enrrrola na arrreia”. Notável, à sua maneira.
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