6 de junho de 2020

“Fauré et ses Poètes” (Harmonia Mundi, 2020)


Nasceu na ‘vila florida’, em Pamiers, nos Pireneus, mas passou o resto da vida a fazer jus ao nome do meio: Urbain. Quando se escutam as canções de Fauré, ébrias de astros e satélites, não será o menor dos paradoxos a ter em conta. De facto, há algo de reconstitutivo no seu conjunto – uma espécie de idílio entressonhado que remete para aquele período entre a infância e a adolescência que lhe foi subtraído à biografia, aos 9 anos, ao ir do campo para a cidade. Anotado no diário de Émilie Girette, a quem Fauré dedicou alguns destes opúsculos, há um relato do processo: “São as palavras que o inspiram; a melodia vai aos poucos maturando na sua cabeça, sem que ele tenha consciência disso.” O que é o mesmo que afirmar que, nesse instante, pregar-se-iam aos poemas as suas mais íntimas privações e pulsões, noção extraída a um título acabadinho de chegar às bancas: “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, de Freud. Seja como for, tal a sua contínua introspeção, sim, o patchuli barato da psicanálise empesta facilmente estas páginas. E nem Mauillon e Le Bozec permitem outra coisa: como se pretendesse espelhar a existência do compositor, dos seus 16 aos 60 anos, o programa de “Fauré et ses Poètes” inicia-se com ‘Le papillon et la fleur’ (1861) e termina com ‘Chanson’ (1906), tinha ele acumulado mais casos extraconjugais que cargos institucionais, o que não é dizer pouco. Em notas de apresentação, fala-se de musas como Marianne Viardot e Emma Bardac, mas esquece-se a compositora Adela Maddison, por exemplo, com a qual Fauré partilhava o gosto pela escrita de Verlaine, Prudhomme ou Samain – autores de versos por entre os quais conseguia caminhar em transe, sem deixar grandes vestígios da sua passagem. Pois, como um dia afirmou, para si, palavras e música eram uma e a mesma entidade – que, por sinal, transcendeu qualquer outra no espantoso ato de renúncia e redução em que sua obra se converteu (sem sinfonias nem concertos). Daí a transparência na voz de Mauillon, em jejum de si mesma e sem o dramatismo de um Gérard Souzay e daqueles barítonos de antanho que se diriam ter nascido para cantar “o marrr enrrrola na arrreia”. Notável, à sua maneira.

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