Ainda há pouco, como quem programa o despertador
com o toque das sete trombetas do apocalipse, anunciava o derrube de monumentos
(foi em ‘All That Matters is the Moments’, de “Afterlife”, dos seus The Comet
is Coming). Falava na voz de uma gente oprimida, à cata pelos recantos dos
castelos dos seus senhores de algo a que chamar seu, e parecia traçar um paralelo
com o destino de Ozymandias (Jeremy Irons) na lua Europa, em “Watchmen”, na HBO.
Mas Shabaka Hutchings pode dispensar a subscrição de séries – os noticiários bastam
para que se sinta indigitado. Daí, este “We Are Sent Here by History”, em que
se descreve um país em chamas, livros atirados à fogueira, terra queimada – e o
que vem à memória é Malcolm X, a olhar para a televisão e a compor o poema
“Burn, Baby, Burn”, embora o dispositivo que tímida e tibiamente adota seja o
do jazz sul-africano, segundo promulgação de Dollar Brand, Basil Coetzee, Dudu
Pukwana, Pops Mohamed, Spirits Rejoice, Winston Ngozi, Tete Mbambisa, entre
outros.
Como Hugh Masekela, que reagia à engenharia social do Apartheid com “Home is Where the Music Is” enquanto, longe dali, nos EUA, mais ou menos na mesma altura, Gil Scott-Heron cantava: ‘Home is Where the Hatred Is’. Pouco depois, em 1975, Scott-Heron gravaria “From South Africa to South Carolina”, cruzando o oceano com a língua entaramelada pelo sangue e a voz embargada pelo fumo, e agora, por intermédio de McCraven, um antigo colaborador de Hutchings, é o seu fantasma que deambula por “We’re New Again”, criado a partir dos takes vocais de “I’m New Here” (2010), o derradeiro registo de Scott-Heron, antes de falecer, e pouco mais que a vinheta sonora do documentário que ficou então por fazer. Para distribuir o mal pelas aldeias, podia dar na Netflix.
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