13 de junho de 2020

Peter Evans “Being & Becoming” (More is More, 2020)

Há coisa de um ano, em entrevista à “Bomb”, Peter Evans dizia desejar compor como quem faz um quantos-queres: “[Na minha escrita] refleti muito acerca da forma de criar um tipo de textura desdobrável, mais complexa e refinada que o habitual; o que me conduziu à ideia de fixar certos elementos, enquanto outros permaneceriam imprevisíveis.” Ou seja, como ele explicava, não lhe interessava criar, sem mais, mas sim criar peças que – elas próprias – criassem: flexíveis, maleáveis e desmultiplicáveis, sujeitas a contínuas reconfigurações, como que vistas por um caleidoscópio. Talvez por isso, de súbito, nele baixasse um santo sufista e viesse a admitir diluir o açúcar do “eu” na água do “nós”. Pois então, numa gravação contemporânea a tão ascéticas declarações, dir-se-ia que o grupo de “Being & Becoming” é o seu novo avatar axiológico: Joel Ross (vibrafone), Nick Jozwiak (contrabaixo) e Savannah Harris (bateria e percussão) atuando e reagindo uns sobre os outros, num tabuleiro de relações sistémicas desenhado por M. C. Escher – se, por um lado, trabalham na superfície plana e bem iluminada do quarteto de jazz, por outro, também, cortam-lhe a corrente e esgueiram-se no escuro por labirintos e alçapões, subindo e descendo mais escadas que “Chuckie Egg”. Uma delas vai dar à Índia, quando tocam em uníssono uma espécie de raga e algures no subcontinente ergue a cabeça uma cobra; outra vai dar à Áustria dos Habsburgos, com as fanfarras do “Concerto para Trompete” anunciando a chegada à corte de Hummel; outra – sempre se trata de um disco de Evans – leva ao bar de uma nave da Federação; e outra, ainda, ao interior de um ecrã em que estão a dar desenhos animados em vez de “O Caminho das Estrelas”. Claro que quem quiser permanecer na horizontal poderá aqui encontrar ecos melódicos do Bobby Hutcherson de “Components” (1966), por exemplo, ou do que faziam Karl Berger e Don Cherry quanto tinham África em mente. Isto é, o fluxo e refluxo de signos com que o trompetista tem vindo a desestabilizar os nossos processos percetivos, que mais uma vez redime e repleta com a imanente novidade do mundo. Será essa a função da arte. Quantos queres?

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