Há coisa de um ano, em entrevista à “Bomb”, Peter
Evans dizia desejar compor como quem faz um quantos-queres: “[Na minha escrita]
refleti muito acerca da forma de criar um tipo de textura desdobrável, mais
complexa e refinada que o habitual; o que me conduziu à ideia de fixar certos
elementos, enquanto outros permaneceriam imprevisíveis.” Ou seja, como ele
explicava, não lhe interessava criar, sem mais, mas sim criar peças que – elas próprias
– criassem: flexíveis, maleáveis e desmultiplicáveis, sujeitas a contínuas reconfigurações,
como que vistas por um caleidoscópio. Talvez por isso, de súbito, nele baixasse
um santo sufista e viesse a admitir diluir o açúcar do “eu” na água do “nós”.
Pois então, numa gravação contemporânea a tão ascéticas declarações, dir-se-ia
que o grupo de “Being & Becoming” é o seu novo avatar axiológico: Joel Ross
(vibrafone), Nick Jozwiak (contrabaixo) e Savannah Harris (bateria e percussão)
atuando e reagindo uns sobre os outros, num tabuleiro de relações sistémicas
desenhado por M. C. Escher – se, por um lado, trabalham na superfície plana e
bem iluminada do quarteto de jazz, por outro, também, cortam-lhe a corrente e
esgueiram-se no escuro por labirintos e alçapões, subindo e descendo mais
escadas que “Chuckie Egg”. Uma delas vai dar à Índia, quando tocam em uníssono
uma espécie de raga e algures no subcontinente ergue a cabeça uma cobra; outra
vai dar à Áustria dos Habsburgos, com as fanfarras do “Concerto para Trompete”
anunciando a chegada à corte de Hummel; outra – sempre se trata de um disco de
Evans – leva ao bar de uma nave da Federação; e outra, ainda, ao interior de um
ecrã em que estão a dar desenhos animados em vez de “O Caminho das Estrelas”. Claro
que quem quiser permanecer na horizontal poderá aqui encontrar ecos melódicos
do Bobby Hutcherson de “Components” (1966), por exemplo, ou do que faziam Karl
Berger e Don Cherry quanto tinham África em mente. Isto é, o fluxo e refluxo de
signos com que o trompetista tem vindo a desestabilizar os nossos processos
percetivos, que mais uma vez redime e repleta com a imanente novidade do mundo.
Será essa a função da arte. Quantos queres?
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