Dir-se-ia ter vivido sob a égide do excecionalismo
– e de certa maneira viveu, como tantos dos seus compatriotas. Mas, enquanto
professor, compositor e intérprete, ainda que postumamente, Samuil Feinberg
(1890-1962) quis pôr os pontos nos is: “Dizem que a trajetória artística obedece
a coordenadas saídas do inconsciente, que assenta na intuição e que, por isso,
em tudo difere do caminho e do comportamento do comum dos mortais, como um
cometa errante a rasgar as órbitas circulares dos planetas”, escreveu ele num
compêndio de pedagogia editado em 1965, em Moscovo. “No entanto,” concluía,
“tal como no mapa astral se consegue traçar a órbita de um cometa, também entre
os criadores e no mais instintivo dos domínios se pode detetar a lógica
intrínseca ao conjunto das interações artísticas.” Estava a falar de si, claro,
e daqueles que como ele divergiam da estética oficial conforme a prescrevia o
regime soviético, entenda-se, e iam tendo a respetiva obra silenciada, quando
não era pior – revolucionários do tipo errado. Ainda que tardia, era a reação
possível ao que dele (e destas suas extraordinárias sonatas para piano,
compostas entre 1915 e 1923) se dizia desde que Leonid Sabaneyev incluiu estes
comentários em “Compositores Russos Modernos”: “Feinberg é sobretudo um
compositor de harmonias e ritmos. Não é, de todo, melodista – nesse capítulo é
frequentemente rudimentar e incompreensível. O tecido musical é hesitante e
turbulento. As suas obras são uma espécie de tempestade, de redemoinho, não
propriamente música. Enquanto compositor, ignora os tempos lentos. As suas
visões estão sempre à beira do precipício e, como tal, trazem à memória as
alucinações e delírios de um doente.” Ah, convém lembrar que Sabaneyev era um
defensor obstinado de Feinberg – imagine-se o que diria quem não fosse. O elo
perdido entre Scriabin e Prokofiev (conforme caracterização de Robert Rimm, em
“The Composer-Pianists”), Feinberg depressa se desapegou da volúpia e do
arrebatamento: na devastadora “Sonata para Piano Nº 6” cada recapitulação do
motivo lírico é, de facto, uma capitulação – os sinos a dobrar pelas vítimas da
insensatez, como ele.
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