Schumann e Mendelssohn. Está certo, sim senhor,
desde que se permita ao bico do lápis vermelho do patriarcado ir ali
acrescentar um asterisco, pois é de Clara Schumann (1819-1896) e de Fanny Mendelssohn
(1805-1847) que se fala – ah, se ao menos sucessivas gerações de censores
tivessem usado a outra ponta do lápis para tirar a cera dos ouvidos! Mas o mal
estava feito – e mesmo quando se repara na obra que deixaram, o que é raro, se
aproveita para distinguir o sal das oportunidades perdidas quando seria mais vantajoso
detetar os níveis elevados de glicose que a caracterizam. Pois, nada dava mais
satisfação a Clara que uma tarde passada a compor, absorta, esquecida de si, a
“respirar por entre as esferas dos tons”, enquanto Fanny se sentiu “renascida”
quando viu finalmente concretizado este seu trio – infelizmente, um ano depois
estava morta; e de Clara, por sua vez, não consta que tivesse tempos livres
(conforme notou no seu diário, citado por Monica Steegmann, em biografia: “Nem
uma horinha, o dia todo, tenho para mim!”). Não sai da lembrança de Clara que é
mulher de Robert Schumann, nem de Fanny que é irmã de Felix Mendelssohn, por
isso não admira que, quer uma, quer outra, nestes trios para piano, violino e
violoncelo, fizesse das pautas uma marquesa e se dedicasse a aliviar toda a dor,
toda a tensão e ansiedade que logo, aqui, às primeiras notas se acumula. Na sua
vida privada, por sinal escritas mais ou menos na mesma altura, são obras que
possuem eco num par de cartas: uma de Clara, quando admitiu que não podia, “de
maneira nenhuma, abandonar” a sua arte, ou correria o risco de se “arrepender
para sempre”; outra de Fanny, que dizia a Felix que se podia rir dela à
vontade, se assim entendesse, que não seria por isso que ela deixaria de ter “tanto
medo dos [seus] irmãos, aos 40, quanto havia tido do pai, aos 14”. Quem o
conta, em pormenor, é Anna Beer, em “Sounds and Sweet Airs: The Forgotten Women
of Classical Music”, tão apologista da igualdade de género que só lhe falta afirmar
que isto foi como um espartilho que se lhes rebentou. Mas foi.
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