Ao final da tarde, quando o sol se põe, é como se a
cidade inteira fosse subitamente engolida por uma onda de âmbar – pelo menos, era
o que me dizia Baaba Maal, em 1998, pelo telefone, referindo-se a Podor, o
lugar em que nasceu. Para alguém que tinha acabado de gravar “Nomad Soul”, um
ambicioso disco em que participavam Simon Emmerson (Afro Celt Sound System),
Robbie Shakespeare, Brian Eno, Jon Hassell ou Howie B, revelava-se muito
terra-a-terra: “Isto teve o seu êxito, porque o Simon veio aqui ter comigo, a Podor
– veio beber à fonte, se é que me faço entender” – o que era mais ou menos como
Ali Farka Touré descrevia o seu encontro com Ry Cooder nas margens do rio
Níger. Comento que, para mim, Podor só apareceu no mapa quando li, algures, que
era dali que ele e Mansour Seck vinham. “Quer saber uma coisa?”, perguntou. “O
Mansour é cego, mas foi ele que me mostrou as riquezas da região. Fizemos
quilómetros e quilómetros, um ao lado do outro, e ele dizia: ‘Baaba, dali vieram
os almorávidas e, com eles, o canto do muezim. Baaba, ouve: é uma melodia de
pastores berberes, acompanhada ao alaúde. E isto é o ritmo do pau do pilão, a
moer grão. Aqui, tens o balido do borrego e, aqui, o barrido do elefante. E, no
escuro, quando o vento sopra do Sahel e o grilo canta, escutam-se cordas de
corá entre grãos de areia.’ Depois, mostrava-me tudo isto à guitarra.” Sem
saber, Maal referia-se, já, à síntese de Tidiane Thiam, neste prodigioso
“Siftorde Fateliku Souvenir Remember” – também ele gravado em Podor, à noite,
com o senegalês cercado pelo estridular dos insetos e pelo som de alguém a
servir o chá, aqui, de um todo-o-terreno a arrancar para o vazio, acolá, da
ronco contínuo de um gerador, mais além. Atraídos pelo petromax, ou algo do
género, estão os espectros daqueles que lhe seguram a mão antes de dormir – e
este título, com a mesma palavra repetida em quatro línguas diferentes, traz à
memória a Torre de Yser, na Flandres ocidental, onde se lê em holandês,
francês, inglês e alemão: “Guerra nunca mais” – que talvez seja o que Thiam
quer. Se assim é, estes dez instrumentais são o seu “Hino à Alegria”.
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