4 de julho de 2020

Tidiane Thiam “Siftorde Fateliku Souvenir Remember” (Sahel Sounds, 2020)

Ao final da tarde, quando o sol se põe, é como se a cidade inteira fosse subitamente engolida por uma onda de âmbar – pelo menos, era o que me dizia Baaba Maal, em 1998, pelo telefone, referindo-se a Podor, o lugar em que nasceu. Para alguém que tinha acabado de gravar “Nomad Soul”, um ambicioso disco em que participavam Simon Emmerson (Afro Celt Sound System), Robbie Shakespeare, Brian Eno, Jon Hassell ou Howie B, revelava-se muito terra-a-terra: “Isto teve o seu êxito, porque o Simon veio aqui ter comigo, a Podor – veio beber à fonte, se é que me faço entender” – o que era mais ou menos como Ali Farka Touré descrevia o seu encontro com Ry Cooder nas margens do rio Níger. Comento que, para mim, Podor só apareceu no mapa quando li, algures, que era dali que ele e Mansour Seck vinham. “Quer saber uma coisa?”, perguntou. “O Mansour é cego, mas foi ele que me mostrou as riquezas da região. Fizemos quilómetros e quilómetros, um ao lado do outro, e ele dizia: ‘Baaba, dali vieram os almorávidas e, com eles, o canto do muezim. Baaba, ouve: é uma melodia de pastores berberes, acompanhada ao alaúde. E isto é o ritmo do pau do pilão, a moer grão. Aqui, tens o balido do borrego e, aqui, o barrido do elefante. E, no escuro, quando o vento sopra do Sahel e o grilo canta, escutam-se cordas de corá entre grãos de areia.’ Depois, mostrava-me tudo isto à guitarra.” Sem saber, Maal referia-se, já, à síntese de Tidiane Thiam, neste prodigioso “Siftorde Fateliku Souvenir Remember” – também ele gravado em Podor, à noite, com o senegalês cercado pelo estridular dos insetos e pelo som de alguém a servir o chá, aqui, de um todo-o-terreno a arrancar para o vazio, acolá, da ronco contínuo de um gerador, mais além. Atraídos pelo petromax, ou algo do género, estão os espectros daqueles que lhe seguram a mão antes de dormir – e este título, com a mesma palavra repetida em quatro línguas diferentes, traz à memória a Torre de Yser, na Flandres ocidental, onde se lê em holandês, francês, inglês e alemão: “Guerra nunca mais” – que talvez seja o que Thiam quer. Se assim é, estes dez instrumentais são o seu “Hino à Alegria”.

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