7 de novembro de 2020

Beethoven: Trios (La Dolce Volta, 2020)

Antes de se falar na “fadiga da pandemia”, havia já quem falasse em fadiga de Beethoven, neste 2020 em que se assinala o 250º aniversário do seu nascimento. Mas o desgaste não é de agora: em 1820, segundo a antiquíssima biografia de Alexander Wheelock Thayer, o próprio se queixava de que, em Viena, ninguém tinha paciência para si. E em 1920 era o historiador Hermann Abert a notar que, entre os jovens, “se considerava o seu páthos opressivo, exagerado, quase intolerável” – quem o relembra é o musicólogo Mark Evan Bonds, em “The Beethoven Syndrome”. Não admira que, em fevereiro, em mesa-redonda, e logo na Beethoven-Haus, em Bona, a compositora e docente Charlotte Seither tenha explicado que, hoje em dia, nas suas aulas, entre os alunos, se evita falar de figuras que promovam esta espécie de “apoteose da genialidade que parece ter como objeto exclusivo a criatividade masculina”. Também no início do ano, no jornal da Universidade de Oberlin, sede de um prestigiado Conservatório, se podia ler que a glorificação de Beethoven não difere assim tanto do culto da personalidade que se encontra numa ditadura. Meses depois, nas páginas do “Chicago Tribune”, Andrea Moore, professora na Smith College, pedia algo mais drástico: “uma moratória – uma cooperativa global que suspenda por um ano as apresentações ao vivo” da sua obra. Pobre Beethoven! Se isto fosse “O Programa do Aleixo” estava-se mesmo a vê-lo a fazer beicinho, como o Busto! Aqui, em notas de apresentação, é Grimal que diz “reconhecer, no aproveitamento da sua música, vestígios daquela forma de propaganda associada à fantasia do super-homem – mas Beethoven vem depois de Haydn, não de Karajan!” Por isso, chega em boa hora esta purificante gravação do “Trio para Piano, Violino e Violoncelo Nº 5”, Op. 70/1, ‘Fantasma’, e do “Trio para Piano, Violino e Violoncelo Nº 7”, Op. 97, ‘Arquiduque’, em que, na perspetiva desses detratores, Grimal, Gastinel e Cassard libertam o compositor de todo o tipo de toxinas e favorecem a fluidez, a leveza, e a subtileza, levando-o a atingir o ponto em que só faz bem à saúde. Aqui, não há fadiga que resista.

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