Antes de se falar na “fadiga da pandemia”, havia já
quem falasse em fadiga de Beethoven, neste 2020 em que se assinala o 250º
aniversário do seu nascimento. Mas o desgaste não é de agora: em 1820, segundo
a antiquíssima biografia de Alexander Wheelock Thayer, o próprio se queixava de
que, em Viena, ninguém tinha paciência para si. E em 1920 era o historiador
Hermann Abert a notar que, entre os jovens, “se considerava o seu páthos opressivo, exagerado, quase
intolerável” – quem o relembra é o musicólogo Mark Evan Bonds, em “The
Beethoven Syndrome”. Não admira que, em fevereiro, em mesa-redonda, e logo na
Beethoven-Haus, em Bona, a compositora e docente Charlotte Seither tenha explicado
que, hoje em dia, nas suas aulas, entre os alunos, se evita falar de figuras
que promovam esta espécie de “apoteose da genialidade que parece ter como
objeto exclusivo a criatividade masculina”. Também no início do ano, no jornal
da Universidade de Oberlin, sede de um prestigiado Conservatório, se podia ler
que a glorificação de Beethoven não difere assim tanto do culto da
personalidade que se encontra numa ditadura. Meses depois, nas páginas do
“Chicago Tribune”, Andrea Moore, professora na Smith College, pedia algo mais
drástico: “uma moratória – uma cooperativa global que suspenda por um ano as apresentações
ao vivo” da sua obra. Pobre Beethoven! Se isto fosse “O Programa do Aleixo”
estava-se mesmo a vê-lo a fazer beicinho, como o Busto! Aqui, em notas de
apresentação, é Grimal que diz “reconhecer, no aproveitamento da sua música,
vestígios daquela forma de propaganda associada à fantasia do super-homem – mas
Beethoven vem depois de Haydn, não de Karajan!” Por isso, chega em boa hora
esta purificante gravação do “Trio para Piano, Violino e Violoncelo Nº 5”, Op.
70/1, ‘Fantasma’, e do “Trio para Piano, Violino e Violoncelo Nº 7”, Op. 97,
‘Arquiduque’, em que, na perspetiva desses detratores, Grimal, Gastinel e Cassard
libertam o compositor de todo o tipo de toxinas e favorecem a fluidez, a leveza,
e a subtileza, levando-o a atingir o ponto em que só faz bem à saúde. Aqui, não
há fadiga que resista.
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