No premonitório e lapidar “Sinais Secretos”,
Alexander Blok era uma espécie de notário do destino, que lhe ditava qualquer
coisa do género: “Acendem-se sinais secretos numa parede impenetrável/ Enquanto
durmo, debruçam-se sobre mim papoilas douradas e carmim/ Enterro-me de noite nas
cavernas/ E faço por esquecer a magia dos sonhos.” Não admira que, mais tarde,
sob pressão da posteridade, Dmitri Shostakovich tenha posto em música os seus
versos. Afinal, não só se havia especializado em falar em código, num complexo sistema
de senhas e contrassenhas, como em passar a noite acordado à espera da fatídica
visita de enviados do Comissariado do Povo para Assuntos Internos. Não se sabe quanto
da sua obra, corrompida de tão cifrada, ou o inverso, terá sido composta em
jeito de antecipação, mas, em 1967, por ocasião do 50º aniversário da Revolução
de Outubro, quando tornou público “Sete Romances sobre Poemas de Alexander
Blok”, Op. 127, para soprano, violino, violoncelo e piano, dava a ouvir um
epitáfio. Atente-se ao início de “Sinais Secretos”: Ré, Ré bemol, Dó, Mi bemol,
Sol, Fá, Mi, Si, Lá sustenido, Sol sustenido, Lá, Fá sustenido, isto é, uma construção
com base nas 12 notas da escala cromática, coisa – o dodecafonismo serial,
entenda-se – que jamais havia ensaiado e que, agora, com 61 anos, antes que
fosse demasiado tarde, por o atonalismo representar a morte e por se saber do
desencanto de Blok com a revolução, mostrava finalmente ser integrante de si. Ekaterina
Semenchuk e os membros do Trio Wanderer trocam a pedra pelo gelo, como quem diz
que, no fundo, através de um ato tão inusitado, o compositor fazia referência à
música de câmara que havia deixado em animação suspensa, aos criogénicos
quartetos, por exemplo, ou à sua produção mais experimental das décadas de 20 e
30. Trata-se da consolação possível, num universo em que qualquer desvio aos
ditames oficiais era prontamente denunciado, igualmente extensível ao “Quinteto
para Piano”, Op. 57, de uma altura em que cada obra de Shostakovich era um hino
à dissociação, resistindo à hipotermia induzida com sarcasmo e, lá está, sinais
secretos.
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