13 de novembro de 2020

Shostakovich: Piano Quintet & Seven Romances (Harmonia Mundi, 2020)

No premonitório e lapidar “Sinais Secretos”, Alexander Blok era uma espécie de notário do destino, que lhe ditava qualquer coisa do género: “Acendem-se sinais secretos numa parede impenetrável/ Enquanto durmo, debruçam-se sobre mim papoilas douradas e carmim/ Enterro-me de noite nas cavernas/ E faço por esquecer a magia dos sonhos.” Não admira que, mais tarde, sob pressão da posteridade, Dmitri Shostakovich tenha posto em música os seus versos. Afinal, não só se havia especializado em falar em código, num complexo sistema de senhas e contrassenhas, como em passar a noite acordado à espera da fatídica visita de enviados do Comissariado do Povo para Assuntos Internos. Não se sabe quanto da sua obra, corrompida de tão cifrada, ou o inverso, terá sido composta em jeito de antecipação, mas, em 1967, por ocasião do 50º aniversário da Revolução de Outubro, quando tornou público “Sete Romances sobre Poemas de Alexander Blok”, Op. 127, para soprano, violino, violoncelo e piano, dava a ouvir um epitáfio. Atente-se ao início de “Sinais Secretos”: Ré, Ré bemol, Dó, Mi bemol, Sol, Fá, Mi, Si, Lá sustenido, Sol sustenido, Lá, Fá sustenido, isto é, uma construção com base nas 12 notas da escala cromática, coisa – o dodecafonismo serial, entenda-se – que jamais havia ensaiado e que, agora, com 61 anos, antes que fosse demasiado tarde, por o atonalismo representar a morte e por se saber do desencanto de Blok com a revolução, mostrava finalmente ser integrante de si. Ekaterina Semenchuk e os membros do Trio Wanderer trocam a pedra pelo gelo, como quem diz que, no fundo, através de um ato tão inusitado, o compositor fazia referência à música de câmara que havia deixado em animação suspensa, aos criogénicos quartetos, por exemplo, ou à sua produção mais experimental das décadas de 20 e 30. Trata-se da consolação possível, num universo em que qualquer desvio aos ditames oficiais era prontamente denunciado, igualmente extensível ao “Quinteto para Piano”, Op. 57, de uma altura em que cada obra de Shostakovich era um hino à dissociação, resistindo à hipotermia induzida com sarcasmo e, lá está, sinais secretos.

Sem comentários:

Enviar um comentário