Tendo em conta as notícias, e passando em revista o
punhado de títulos da Black Jazz que a Real Gone Music acabou de colocar no
mercado, seria de esperar que as atenções se desviassem para “2nd Wave” (1975),
de Roland Haynes. De facto, neste contexto, e aos olhos de um supremacista
branco, por exemplo, quem se mostrasse capaz de conjugar a vivência mais
sofrida com a memória mais profunda, quem apelasse à reorientação radical do
papel do invidíduo na sociedade e em simultâneo se batesse pela transformação
sistémica da economia, teria de ser visto como uma virose. E poucos discos
articularam tão bem a segunda vaga do nacionalismo negro quanto “Spirit of the
New Land” e “Hear, Sense and Feel”, frutos de uma ação “gerida por negros,
dirigida a negros”, conforme anúncio na “Billboard”. Ambos de 1972, eram um
livro de cânticos para gente destituída, desfavorecida, desprotegida e
desprivilegiada, condenada, como se lia na “Bíblia”, a errar pelos desertos,
montes, covas e cavernas da Terra, mesmo sem ter pecado: “Ergue-te e brilha,
gente bonita/ A tua hora chegou/ Regressa à religião antiga/ Liga-te à visão do
que passou”, ouve-se num; “Alegrem-se/ Uma nova era começou/ Uma era de beleza,
realização pessoal e encanto”, escuta-se no outro.
No fundo, era como se
tentassem compor o hino para aquela República da Nova Áfrika de que na altura
se falava, espécie de terreno virgem e inexpugnável em que encontraria a
liberdade quem recusasse a herança da escravatura. Mas os discos pouco têm de
panfletário – a principal revolução que desencadeiam é no cânone musical do
ocidente e a herança que recusam é a do formalismo, pondo em prática protocolos
de descontinuidade com a estética dominante. Neste jazz de abandono extático
que se diria dançar com os corpos celestes, nomes como Jean Carn, George
Harper, Garnett Brown, Earl McIntyre, Charles Tolliver e Alphonse Mouzon, no primeiro,
e Ken Chaney, Ari Brown, Frank Gordon, Steve Galloway e Reggie Willis, no
segundo, para melhor fitar o firmamento, cercavam-se de apitos, sinos, pífaros
e chocalhos e aperfeiçoavam um idioma que remontava à tomada de consciência da
espécie – consigo, se não estava a humanidade inteira, devia ter estado.
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