7 de novembro de 2020

Ella Fitzgerald “The Lost Berlin Tapes” (Verve, 2020)

Em 1991, a Verve lançou “Ella Returns to Berlin”, uma gravação ao vivo, de 11 de fevereiro de 1961, há 30 anos perdida nos arquivos. O resgate histórico repetia-se: em 1988, com a mesmíssima chancela, havia sido colocado no mercado “Ella in Rome: The Birthday Concert”, um notável registo de 25 de abril de 1958 que ninguém sabia existir. Ou seja, este “Lost Berlin Tapes” diz mais sobre a capacidade de organização da editora do que outra coisa qualquer. Tudo isto, porque a reação de um dos seus intervenientes ao que ouvia em “Ella in Rome” terá feito jurisprudência – entrevistado por Stuart Nicholson em “Ella Fitzgerald: A Biography of the First Lady of Jazz”, o pianista Lou Levy dizia-se abismado pela “alma e energia” da atuação, cujo nível seria “impossível de atingir numa sessão de estúdio”. O próprio biógrafo o resumia assim: “Mais do que qualquer outro dos seus discos ao vivo, ‘Ella in Rome’ celebra a alegria que há em se fazer música, com a voz de Ella a revelar-se o instrumento perfeito para expressar essa alegria.” Agora, na apresentação de “Lost Berlin Tapes”, Nicholson louva a “celebração da alegria do jazz, da voz e da vida.” Redundante, mas verdadeiro. Com Paul Smith – o seu pianista preferido – a seu lado, Ella parecia tão feliz que fazia sapateado com as sílabas. Como na gravação de ‘Mack the Knife’ imortalizada em “Ella in Berlin” (1960), nem o facto de se enganar na letra da única canção do alinhamento que, por acaso, até havia sido composta na cidade onde estava lhe tirava o sorriso do rosto: em “And so we leave you, in Berlin town”, perde o norte, e diz, só, “in… town” – não há relatos que Bertolt Brecht e Kurt Weill tenham dado voltas no caixão, nem ninguém se importou, na plateia. Quer dizer, nesse 25 de março de 1962, nem quando Ella cantou ‘Jersey Bounce’ (que projetava as sombras dos bombardeiros sobre as ruas) ou ‘Clap Hands, Here Comes Charlie!’ (que certamente trazia à memória de todos quanto a ouviam o Checkpoint Charlie) se dá, aí, pelo menor constrangimento – imagina-se mais depressa os berlinenses a sair do Sportpalast, e a comentar: “Se os russos soubessem, tinham adiado a construção do muro!”.

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