Antes de ser uma editora, a Black Fire foi uma revista – na realidade, era uma espécie de catálogo para o mercado retalhista norte-americano em que se anunciavam as novidades da Black Jazz, da Strata, da Tribe ou da Strata-East. Quase dava para sentir o vento áfrico a espalhar pelo país as “sementes culturais da sobrevivência” (“Vol. 3”, 1974). Nas suas páginas liam-se coisas do género: “Ainda que tal não se vislumbre no horizonte atual do vosso modo de pensar, quando ouvem música que obriga a uma tomada de consciência estão a traçar a expansão das vossas mentes.” Mesmo que fosse preciso dar um empurrão – na altura, durante os comícios dos Panteras Negras, por exemplo, em pleno caso Watergate, os Lumpen (a banda do partido) substituíam a letra de ‘Ol’ Man River’ por ‘Ol’ Pig Nixon’. Como é óbvio, não se encontra nada tão deselegante entre o punhado de discos que a Black Fire colocou no mercado, ainda que a retórica bolchevique não fosse estranha ao seu fundador, Jimmy Gray: “Como proprietário dos meios de produção, controlas o teu próprio destino: crias uma realidade paralela em que afetas o resultado final”, escreveu. Isto, porque, sim, em meados da década de 70, por mais equívoca que fosse, a especificidade racial era o passaporte que permitia o ingresso dos sitiados e exilados numa sociedade plena de direitos, criada de raiz à margem do sistema. Daqueles que, no fundo, por saberem que aos olhos do aparelho ideológico estatal eram cidadãos de segunda, se identificavam ironicamente com o lumpemproletariado de que Marx falava: a degenerada boémia feita de ex-presidiários, vigaristas, saltimbancos, delinquentes, carteiristas, chulos, estivadores, mendigos, músicos e trapaceiros. Para James “Plunky” Branch (dos Oneness of Juju), Theatre West, Byard Lancaster, Lon Moshe, Wayne Davis, Southern Energy Ensemble, Okyerema Asante ou Experience Unlimited, tratava-se tanto de articular a dissidência quanto de promover um ideário de inclusão – o coletivismo afro como reação ao capitalismo, o que explica o recurso a palavras como ubuntu (“eu sou porque nós somos”, em zulu) ou umoja (“unidade”, em suaíli) nas suas canções. Mas chega de estrangeirismos – no ponto em que o jazz se espiritualizou, o r&b, radicalizou, o gospel, materializou, a Black Fire marcou uma era porque obedeceu aos ‘Mandamentos Black’, conforme, em 77, Gerson King os enunciou: “Dançar como dança um black!/ Amar como ama um black!/ Falar como fala um black!/ Ter orgulho de ser black!”.
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