Em subtítulo, lê-se: “Carnets de voyage d’Italie”,
mesmo que não se saiba ao certo quando Marc-Antoine Charpentier (1643-1704) partiu,
por onde andou, o que viu ou o que alcançou – isto é, que referentes estéticos
veio a interiorizar. Do que não há dúvidas é que, entre os seus, no espaço de
uma geração, foi o único compositor francês a visitar Itália, trazendo nessa
perspetiva à memória o “velho francês que não sabe italiano, se sente
completamente à deriva e (…) não sabe o que fazer”, com o qual, mais de um
século depois, o Goethe de “Viagem a Itália” se cruzou – “Foi uma delícia poder
encontrar no estrangeiro um autêntico espécime da fauna de Versalhes. Eles também
viajam!”, reparou. Ou seja, o Ensemble Correspondances faz aqui uma
reconstituição das notas de viagem que Charpentier não redigiu, sugerindo
paragens em Bolonha (com Maurizio Cazzati), Veneza (com Francesco Cavalli), Cremona
(com Tarquinio Merula) e, sobretudo, Roma (com Francesco Beretta, cuja técnica contrapontista Charpentier estudou),
promovendo no espírito a ideia de que qualquer uma destas escalas poderia ter
sido fundamental no amadurecimento do seu estilo. Quer dizer, na pior das hipóteses,
volte-se a Goethe: “Não tive ideias novas, não achei nada propriamente
estranho, mas as antigas tornaram-se tão precisas (…) que poderiam passar por
novas”, escreveu o alemão, que, no entanto, veio a reconhecer que embora tenha
continuado a “ser o mesmo”, era atingido por “uma transformação até à medula.”
De facto, comparando com a produção gálica do seu tempo, só em Itália
encontraria Charpentier um vocabulário tão expressivo quão versátil, tão avesso
à convenção, como uma recomposição caleidoscópica do léxico de que dispunha.
Não admira que, de regresso a Paris, ao serviço da Duquesa de Guise, antes dos goûts-réunis de François Couperin, a sua
obra, numa expressão feliz da musicóloga Patricia Ranum, tivesse alimentado um
“radical foyer de italianismo”.
Ilustra-o a prodigiosa e exuberante “Missa para Quatro Coros” – tridimensional,
do tanto de Monteverdi que devora, e prova que, tal como Goethe, também
Charpentier se abriu ao mundo para ir ao encontro de si.
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