Nem exatamente comemorativo nem objetivamente
retrospetivo, este trigésimo álbum de Lovano, editado dias depois do sexagésimo
aniversário do seu autor, pode, no entanto, entender-se como a expansiva circuição
de um impulso fundamental à sua exegese, identificável já em “Village Rhythm”
(Soul Note, 1988) e “Worlds” (Evidence, 1989): o de, sem o exorbitar, disputar
a territorialidade do jazz. Parecia, aliás, organizado para esse fim este
quinteto – Esperanza Spalding no contrabaixo, James Weidman ao piano, Otis
Brown III à bateria e o cubano Francisco Mela também na percussão – quando, em
2009, se estreou com o enunciativo “Folk Art” (Blue Note). E, à partida, “Cross
Culture” sugere, com a inclusão numa mão cheia de temas do contrabaixista
búlgaro Peter Slavov e do guitarrista beninês Lionel Loueke, oblíquo testemunho
do multiculturalismo inerente ao Berklee College of Music, prolongar essa
tendência de enquadrar a ação do coletivo num plano informado pela mais
englobante e extravagante noção de música popular. Mas, à exceção do
complacente ecletismo universalista de ‘Drum Chant’ e ‘Golden Horn’, nada aqui
subscreve de forma evidente tais princípios. Pelo contrário, rebatendo a ansiedade
estética proposta em tese, na maioria dos restantes originais – só a balada de
Ellington e Strayhorn, ‘Star Crossed Lovers’, uma espécie de luxação neste
alinhamento, não foi composta pelo líder – distingue-se um movimento pivotante,
jamais afetado por efeitos decorativos mas sim impregnado daquilo que ainda
caracteriza a melhor improvisação: o respeito pelos materiais a par do profundo
desejo em os alterar. Lovano, laborioso e sardónico, ruminante e esquivo, confirma
uma diligência quase proletária no seu discurso e encarna um papel criado à sua
medida: o do concretista consciente de que vive num mundo de abstracionismo
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