Quatuor Ebène
Num poema dedicado a Charlotte von
Stein, a dama de companhia da princesa Anna Amalia em Weimar, Goethe incluiu
versos (“Ah, vós fostes, numa vida passada/ minha irmã ou minha esposa”) que,
150 anos depois, Freud interpretaria enquanto uma reedição de amor edipiano – sabe-se
que para o pai da psicanálise “o mecanismo da poesia é igual ao das fantasias
histéricas”. Já na peça “Die Geschwister” (em português, "Os Irmãos"), escrita no
mesmo ano (1776), o autor de “Fausto” recorre à convenção para justificar, de
fraternal para conjugal, a transição do afeto entre Wilhelm e Marianne. Admiradores
do pensador alemão, e por ele louvados, Felix (1809-1847) e Fanny Mendelssohn
(1805-1847) são agora reunidos pelo Quarteto Ebène de forma a fundamentar um
programa irrepreensivelmente concebido, numa voragem praticamente sanguinária
(se comparada, no caso de Felix, com a perspetiva dos quartetos Emerson ou Ysaÿe),
que converte estas viscerais tessituras em vasos enlaçados num só coração – até
porque, como escreveu Fanny numa carta ao irmão, “Felix, és o meu braço direito
e o menino dos meus olhos”. Numa fatalidade do destino, foi ele que não
suportou viver sem ela, sobrevivendo-lhe seis meses, não sem antes lhe consagrar,
em jeito de requiem, o “Quarteto de cordas nº6 em fá menor”, no qual empregou dispositivos
(trémulos a estremecer sobre notas pedais retumbando como sinos, etc.) que,
rumando à mais dilacerante angústia, recordam com pungência o quarteto “A Morte
e a Donzela”, de Schubert. O “Quarteto de cordas nº2 em lá menor”, composto em
1827, igualmente assombrado por uma vida ceifada, é um eco do derradeiro
Beethoven do “Quarteto nº 16”. Entre eles, o “Quarteto de Cordas em mi bemol
maior”, de Fanny, um discreto libelo feminista na tonalidade da “Sinfonia Heroica”,
sugere uma furtiva genialidade que importa recuperar.
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