A formação é tão singular – Amado
no saxofone tenor, Miguel Mira no violoncelo, Gabriel Ferrandini à bateria e
Bishop ao trombone – quão ilusória. Afinal, Mira abstém-se de tocar com arco,
entregando-se a uma atuação ora elementarmente telegráfica, ora simbolicamente
torrencial, que, de certa forma, aproximando-se da arquetípica ação de um
contrabaixista, burla expectativas de premeditação harmónica e impossibilita as
distrações de dinâmica e extensão associadas ao seu instrumento. O que, fazendo
jus ao nome do trio, indicia que, de facto, parte significativa dos seus
procedimentos – imperturbavelmente lógicos e empaticamente flexíveis – terá que
ver com mobilidade. Aliás, violoncelista e baterista, resistindo a indiscrições
paroquiais, manobram com comadresco à-vontade por estes cinco originais de
espontânea combustão, colorindo, pontuando, comentando e atribuindo às mais
discursivas linhas traçadas pelos sopradores uma dimensão praticamente vernacular.
Ferrandini, em particular, prova que, neste contexto, a mais voluntariosa
animação pode ter tanto de fascinante quanto de fútil, transferindo para gestos
de sutileza orquestral a fortitude rítmica de que não dispensa, disparando
certeiras centelhas e articulando agitados assaltos sem hostilizar a
integridade narrativa de cada tema. Trata-se de um valor de progressiva
importância no universo criativo de Rodrigo Amado – capital na manifestação do
seu evadido romantismo e pretexto para uma eloquente exploração do seu fraseado
– que se vê aqui minuciosamente reforçado pela clareza de tom de Bishop, um
notável gestor do espaço. É precisamente pela predisposição conversacional
entre saxofonista e trombonista – de tal forma deliberada que estimula
intrigantes coincidências – que se identifica o essencial nesta sessão: ritualizar
o informe, resistir à alegoria, celebrar a chama sagrada.
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