25 de maio de 2013

Kissine: Between Two Waves; Duo; Barcarola (ECM, 2013)




Kremerata Baltica, Roman Kofman (d), Gidon Kremer (vl)

A interrogação, reproduzida no livreto de “Between Two Waves”, vem do próprio Victor Kissine: “O que une estas três peças? A maresia, talvez?”. Trata-se de algo mais do que um exercício de pensamento associativo. Afinal, as composições do russo – como tantas de compatriotas seus, numa expressão cultural que tem ganho o apodo de ‘pós-Soviética’ – revelam-se eminentemente residuais. E, no caso específico da titular, um concerto para piano e orquestra de cordas, será inegável que os seus ciclos evocam as hipnóticas propriedades da marulhada. Segundo Kissine, o motivo de quatro notas que o piano vai espaçadamente repetindo foi-lhe inspirado por uma releitura de “Quatro Quartetos”, de T. S. Eliot, no qual, amiúde, se erguem ondas aos pares; ou melhor, os versos de Eliot lembraram-lhe outros, do seu conterrâneo Joseph Brodsky, que diziam que no Neva, em São Petersburgo, as ondas quebram às duas de cada vez. Aqui, sim, residirá uma certa aleatoriedade psicológica. Mas a verdade é que, depois de instalada, a força simbólica desta imagem se prova inabalável. Nomeadamente, na relação com uma suspensiva gestão do tempo, que encerra aquela mesma inquietação que se encontra em obras de Feldman ou Silvestrov. “Duo”, para violeta e violoncelo, influenciado pela poesia de Osip Mandelstam, transfere estas preocupações do mundo líquido para o gasoso, com as cordas espectrais em imitação da brisa e representação do verso “e um coro emudecido de pássaros noturnos atravessa o silêncio”. Por fim, “Barcarola”, uma alusão ao epíteto de ‘Veneza do norte’ da sua cidade, para violino, orquestra de cordas e percussão, retoma um elegíaco tom, que traz à memória outras linhas de Eliot, que Kissine não cita: “música tão profundamente ouvida/ que nem é ouvida, mas somos nós a música/ enquanto dura a música”.

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