Kremerata
Baltica, Roman Kofman (d), Gidon Kremer (vl)
A
interrogação, reproduzida no livreto de “Between Two Waves”, vem do próprio
Victor Kissine: “O que une estas três peças? A maresia, talvez?”. Trata-se
de algo mais do que um exercício de pensamento associativo. Afinal, as
composições do russo – como tantas de compatriotas seus, numa expressão
cultural que tem ganho o apodo de ‘pós-Soviética’ – revelam-se eminentemente residuais.
E, no caso específico da titular, um concerto para piano e orquestra de cordas,
será inegável que os seus ciclos evocam as hipnóticas propriedades da
marulhada. Segundo Kissine, o motivo de quatro notas que o piano vai espaçadamente
repetindo foi-lhe inspirado por uma releitura de “Quatro Quartetos”, de T. S.
Eliot, no qual, amiúde, se erguem ondas aos pares; ou melhor, os versos de
Eliot lembraram-lhe outros, do seu conterrâneo Joseph Brodsky, que diziam que
no Neva, em São
Petersburgo, as ondas quebram às duas de cada vez. Aqui, sim,
residirá uma certa aleatoriedade psicológica. Mas a verdade é que, depois de
instalada, a força simbólica desta imagem se prova inabalável. Nomeadamente, na
relação com uma suspensiva gestão do tempo, que encerra aquela mesma inquietação
que se encontra em obras de Feldman ou Silvestrov. “Duo”, para violeta e
violoncelo, influenciado pela poesia de Osip Mandelstam, transfere estas
preocupações do mundo líquido para o gasoso, com as cordas espectrais em imitação
da brisa e representação do verso “e um coro emudecido de pássaros noturnos
atravessa o silêncio”. Por fim, “Barcarola”, uma alusão ao epíteto de ‘Veneza
do norte’ da sua cidade, para violino, orquestra de cordas e percussão, retoma
um elegíaco tom, que traz à memória outras linhas de Eliot, que Kissine não
cita: “música tão profundamente ouvida/ que nem é ouvida, mas somos nós a
música/ enquanto dura a música”.
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