Ches Smith apresenta um ambicioso
estudo informado por trabalho de campo – ao lado de necrófilos da estirpe de
Trevor Dunn (na presente encarnação do Trio-Convulsant), Jamie Stewart (nos
neogóticos Xiu Xiu), Carla Bozulich (na encantação acusmática de Evangelista) e
Trey Spruance (na funérea excentricidade dos Secret Chiefs 3) – desenvolvido nas
mais variadas morgues musicais, autopsiando cada compasso e tónica,
escalpelizando estrofe e refrão ou dissecando timbre, harmonia, melodia e ritmo
com a incansável diligência de um patologista do apocalipse e o mórbido zelo de
um enciclopedista de profecias. Numa análise geracional, o que há uns anos
passava por iconoclasta curiosidade (no testemunho de figuras como John Zorn,
Weasel Walter ou Elliott Sharp) deu hoje lugar a uma espécie de neurótica
insaciedade (em Ches e em nomes como Kris Davis, Nate Wooley ou Peter Evans), que
tem como crucial mais-valia algo de extremamente simples: a expressão de artistas
que são mais do que uma lista de restrições dentro de determinada categoria,
iludindo quer a tradição quer a redutora neofilia, e cujo discurso se
fundamenta na assunção de um ilimitado terreno de exploração. É nessa
perspetiva sintomático que se anuncie já que o próximo tomo destes These Arches
– Smith na bateria, Tim Berne no saxofone alto, Tony Malaby no saxofone tenor,
Mary Holvorson à guitarra elétrica e Andrea Parkins ao acordeão – seja um disco
com versões de temas associados a Nina Simone, precisamente gravado com o
vocalista dos Xiu Xiu. E não admira que “Hammered” se revele este concentrado
de estilos – jazz alienante, desfocado folclore, vísceras de rock – com subversivos
fogachos de coesão e enigmáticos hinos, ocasionalmente desconfortável e rudemente
abstrato, mas nunca menos do que uma fascinante assembleia de improvisadores
fora de série.
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