Aparenta
refugiar-se numa esquemática arregimentação, mas logo se percebe que
“Continuum” se dirige às elementares questões que o debate em torno do jazz
suscita. Virelles apresenta-o nestes termos: “Tive como objetivo principal
deste projeto a criação de algum tipo de interação sociocultural. Não quero com
isto dizer que revisite ou reproduza determinada tradição. Interessa-me antes investigar
as razões que levam a que as pessoas se exprimam através do folclore e incorporar
isso na minha música”. E a verdade é que, no contexto da reorganização global
das sedes criativas nas últimas décadas, a redefinição da função e relevância dos
lugares de origem tem disputado os mais estabelecidos privilégios territoriais.
Virelles, que nasceu em Santiago de Cuba, estudou em Toronto e reside em Nova
Iorque, ilustra perfeitamente esse impulso que restitui ao jazz recursos de uma
ideal prática de desenvolvimento: uma música que tudo abrange, mas que, não
obstante inflexíveis expectativas de uniformização em grande parte do seu
auditório, sabe manter uma eloquência especificamente periférica. A alusão, no
título, àquilo que não cessa, permitirá esclarecer este princípio essencial que
a audição do disco acentua: quanto mais se estende, mais o mundo se encurta, e
vice-versa. Mas o jovem pianista – conhecido dos grupos de Steve Coleman, Mark
Turner ou Ravi Coltrane e, já em 2013, indispensável constituinte de “Wislawa”,
de Tomasz Stanko, e “The Sirens”, de Chris Potter – ensaia aqui, com Ben
Street, Andrew Cyrille e Román Díaz, uma enlevada deslocação de características
culturais afro-cubanas procedentes da escravatura que ilude o livro de estilo
do jazz afro-cubano. Isto é, celebra a diversidade, sem ratificar necessariamente
a consensualidade, e prova que o património do jazz ainda se pode edificar a partir
da memória das suas assimetrias.
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