20 de julho de 2013

Rokia Traoré “Beautiful Africa” (Nonesuch, 2013)



Ouve-se em ‘Tuit Tuit’: “Numa radiante aurora/ escuto os pássaros/ kia kia kia/ sem receios/ esquece a tua angústia/ kia kia kia/ é o momento que conta/ os instantes de felicidade e prazer”. O recorrente motivo onomatopeico equivale ao nosso piu-piu mas refere-se igualmente à alcunha de Rokia Traoré em Bamako, e traduz uma arquetípica idealização da natureza num quadro de relativa ambiguidade, coerente com os procedimentos deste “Beautiful Africa”, no qual – por cortesia do produtor, John Parish – a habitual divícia mandinga, feita de doçura e serenidade, surge regulada pela fortitude do mais enxuto rock anglo-saxónico. Os versos trazem também à memória aquela antiga ideia de que se encurtaria em metade a história da poesia retirando-lhe as aves e recordam, basta pensar na toponímia do lago d’Averno, esse mundo sem pássaros que é o inferno. Rokia escrevia estas linhas quando a capital do Mali foi palco de um Golpe de Estado e à medida que se alastrava pelo norte do país uma insurreta e ortodoxa leitura da jurisprudência islâmica. Atualmente, após intervenção francesa e com uma força militar internacional no terreno, os pássaros fogem por outra razão: a crescente algazarra nas ruas com a aproximação da data das eleições presidenciais. Talvez por tudo isto se ouça em ‘Lalla’: “Nenhuma ideia é absoluta/ nenhum preceito se inscreve em pedra”. Ou, em ‘N’Téri’, se cante a importância de ‘aceitar e amar humildemente o outro tal como ele é”. Rokia evoca o Camus de “O Mito de Sísifo”: a ausência da verdade ou de valores universais inspira-lhe revolta. Em ‘Sikey’ rebate aqueles que, acusando-a de não provir da casta das jelimuso, contestam a sua decisão de cantar, gritando “Sim, eu canto, eu toco, eu danço/ o meu desejo mantém-se focado/ e vem do coração”. Enquanto assim se mantiver só temos a ganhar.

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