Ouve-se em ‘Tuit Tuit’: “Numa
radiante aurora/ escuto os pássaros/ kia kia kia/ sem receios/ esquece a tua
angústia/ kia kia kia/ é o momento que conta/ os instantes de felicidade e
prazer”. O recorrente motivo onomatopeico equivale ao nosso piu-piu mas
refere-se igualmente à alcunha de Rokia Traoré em Bamako, e traduz uma
arquetípica idealização da natureza num quadro de relativa ambiguidade,
coerente com os procedimentos deste “Beautiful Africa”, no qual – por cortesia
do produtor, John Parish – a habitual divícia mandinga, feita de doçura e
serenidade, surge regulada pela fortitude do mais enxuto rock anglo-saxónico. Os
versos trazem também à memória aquela antiga ideia de que se encurtaria em
metade a história da poesia retirando-lhe as aves e recordam, basta pensar na
toponímia do lago d’Averno, esse mundo sem pássaros que é o inferno. Rokia
escrevia estas linhas quando a capital do Mali foi palco de um Golpe de Estado
e à medida que se alastrava pelo norte do país uma insurreta e ortodoxa leitura
da jurisprudência islâmica. Atualmente, após intervenção francesa e com uma
força militar internacional no terreno, os pássaros fogem por outra razão: a
crescente algazarra nas ruas com a aproximação da data das eleições
presidenciais. Talvez por tudo isto se ouça em ‘Lalla’: “Nenhuma ideia é
absoluta/ nenhum preceito se inscreve em pedra”. Ou, em ‘N’Téri’, se cante a
importância de ‘aceitar e amar humildemente o outro tal como ele é”. Rokia
evoca o Camus de “O Mito de Sísifo”: a ausência da verdade ou de valores universais
inspira-lhe revolta. Em ‘Sikey’ rebate aqueles que, acusando-a de não provir da
casta das jelimuso, contestam a sua
decisão de cantar, gritando “Sim, eu canto, eu toco, eu danço/ o meu desejo
mantém-se focado/ e vem do coração”. Enquanto assim se mantiver só temos a
ganhar.
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