Buika “La Noche Más Larga” (Warner, 2013)
“Frente
a las olas del mar y bajo las estrellas yo sueño con ella”, clama
desamparadamente Concha Buika, lembrando, com extravagante sentido de
espetáculo, que a liberdade sexual só multiplica o número de vínculos ao amor.
Depois, com os arrebiques da praxe e recorrendo ao mais noturnal flamenco,
visita Brel, Billie, Lecuona, Abbey Lincoln e, com invulgar fatalidade, os seus
próprios estados de alma.
Fafá
de Belém “Três Tons de Fafá de Belém” (Universal, 2013)
Anos
antes das hiperglicémicas baladas e das bamboleantes lambadas, Fafá cantou um
país de infinita humidade e enigmática geografia, de pau-santo e mata virgem,
grávido de tanta periferia. Nos álbuns aqui reunidos – “Água” (1977), “Banho de
Cheiro” (1978) e “Estrela Radiante” (1979) – estreou Milton, Gonzaga Jr., Hime,
Lins ou Dominguinhos e canonizou a dupla Paulo André e Ruy Barata. Verão eterno.
Femi Kuti “No Place for My Dream” (Naïve, 2013)
É um
sinal dos tempos que o regresso do filho mais velho de Fela Kuti – também a
palcos portugueses, atuando hoje à noite no FMM de Sines – seja marcado pela
contradição que vincula esta mensagem titular à banda Positive Force. Mas tal
incoerência deve ser vista como sintoma do mais empático humanismo, pois o que Femi
aqui propõe é um frenético afrobeat
capaz de enlaçar atos de rebelião à escala global.
Jupiter & Okwess International “Hotel Univers” (Out
Here, 2013)
O
áspero barítono de Jupiter Bokondji indicia circunspeção. E a verdade é que não
haverá quem cante isto exatamente desta maneira: “Foi preciso muito tempo para
passar da colonização à independência, mas daí à dependência bastou um pequeno
passo” (em ‘Congo’). Ou seja, continua o desalinhado protagonista do
documentário “Jupiter’s Dance” a cantar a verdade das ruas de Kinshasa – o
mundo é o seu gueto.
Sílvia
Pérez Cruz “11 de Novembre” (Universal, 2012)
“Un
mundo feliz/ baños en el mar/ sueños de cristal/ azul”, associa-se em
‘Iglesias’, num refrigério eminentemente redentor. Em ‘Não Sei’, num português
tão circunstancial que vira abrasileirado, canta-se literalmente “quero
aprender que é o que eu tenho que fazer/ para conseguir te renascer” à memória
de um pai desaparecido. Fantasista e polímate, “11 de Novembre” é um zéfiro de
flores de laranjeira.
Aki Takase “My Ellington” (Intakt, 2013)
A
pianista japonesa visita Ellington, vasculhando pelos escombros de edifícios
outrora tão deslumbrantes quão ‘Solitude’, ‘The Mooche’, ‘ I Got It Bad and
That Ain’t Good’ ou ‘Caravan’, e revela o último dos impressionistas. Em ‘Fleurette
Africaine’ cita ‘Nhemamusasa’, um tradicional dos Shona, no sul de Moçambique
tocado à mbira, e prossegue por este
terreno, aquoso e humífero como poucos.
Harris Eisenstadt September Trio “The Destructive
Element” (Clean Feed, 2013)
Gravado
em Portalegre e com um desenho da capa quintessenciado pela paisagem
alentejana, este disco fala de grandes espaços, ainda que numa liturgia
iniciada num rincão europeu e devotada à adversidade. E a verdade é que, com
ele, e com os maviosos Ellery Eskelin ao saxofone e Angelica Sanchez ao piano,
o baterista canadiano se afirma como um dos mais elegantes e indispensáveis
formalistas do jazz atual.
Lucian Ban/Mat Maneri “Transylvanian Concert” (ECM, 2013)
Gravado
ao vivo no centenário Palácio da Cultura de Targu Mures, no coração da terra
‘para além da floresta’, este concerto é um tratado de luz e sombra. Maneri,
arredio e travesso violetista, mantém-se um excêntrico negociante nas margens da
tonalidade, enquanto o pianismo de Ban – natural da próxima Cluj, mas há muito a
residir em Nova Iorque – o corteja com blandícias e transcendentes emanações.
Madeleine Peyroux “The Blue Room” (Emarcy, 2013)
Desde
“Dreamland” que Peyroux vem dissecando o cancioneiro norte-americano a partir da
sua perspetiva de expatriada – embora se deva aqui enaltecer antes a deslocação
temporal, na sincrética evocação de Piaf, Bessie Smith e Patsy Cline que
promove. Agora dedica-se à recriação e atualização de um arquetípico
dissolvente de identidades: “Modern Sounds In Country and Western Music”, de
Ray Charles.
Beethoven: Pathétique, Moonlight, Appassionata - Yundi
(p) (Deutsche
Grammophon, 2013)
Aguardou
por entrar nos 30, o mais jovem vencedor de sempre da Competição Internacional
de Piano Frédéric Chopin, antes de abordar o Beethoven que todos conhecem. E o
que se pode dizer é que, numa época em que os recitais de música clássica se
transformaram em curadoria de arte, com intérpretes a manifestar histericamente
um insólito grau de ecletismo, o seu modo adnato é mais refrescante que
anacrónico.
Britten: Orchestral Works - Donohoe (p), Isserlis
(vlc), Berglund, Järvi, Knussen, Marriner, Rattle (d)
(EMI,
2013)
Proliferam
baús dedicados à obra de Britten, neste ano em que se celebra o centenário do
seu nascimento: a Decca acaba de editar um integral com 66 CD, enquanto a EMI,
de forma inversa, mais digerível e em versões de primeira apanha, vai
desmontando tematicamente a “Collector’s Edition”, de 37, que havia lançado em
2008. São dez horas para se compreender um século, e um homem, o que não é tarefa
menor.
Debussy: Complete Music for Piano Duo - Massimiliano
Damerini, Marco Rapetti (p) (Brilliant, 2013)
De
1880 a 1915 – de “Symphonie” a “En Blanc et Noir”, ou melhor, do ano da patente
da lâmpada de Edison até ao da primeira chamada telefónica transcontinental de
Bell – o que aqui se ouve é um distanciamento do mundo. Debussy – em
“Lindaraja”, na transcrição de “La Mer” ou nos “Épigraphes Antiques” –
recolhendo para a sombra, da qual deve “aparentar emergir a música”, como o
vento quente nas noites de verão.
Dowland: Lachrimae - Thomas Dunford (alaúde), R.
Hughes, R. van Mechelen, P. Agnew, A. Buet (v) (Alpha, 2013)
“Todos
os dias/ o sol que me empresta o brilho/ ao entardecer me causa suspiro”
ouve-se em ‘Come Again’, naquela melancolia estilizada do Período Isabelino que,
mais tarde, da pena do próprio John Dowland (1563-1626), inspiraria, numa ária
aqui interpretada, o trocadilho ‘Semper Dowland, Semper Dolens’, e é o primeiro
amor de verão que se chora. Estreante, Dunford é delicado e sereno como o
crepúsculo.
Mozart: Keyboard Music, Vol.4 - Kristian Bezuidenhout,
pianoforte (Harmonia Mundi, 2013)
A
partir da exploratória “Sonata em Sol maior” (K. 283), o pianista sul-africano
traduz o próprio processo de habituação de um prodígio aos comandos de um novo
instrumento. Mozart vai desvendando as possibilidades expressivas de um teclado
sensível ao toque até que, na imprevisível “Fantasia em Ré menor” (K. 397),
tudo surge já integrado naquilo que mais lhe interessava: a liberdade da
imaginação.
Vivaldi: Concertos Para Violino, Cordas e Baixo Contínuo
- Giuliano Carmignola (vln), Accademia Bizantina, Ottavio Dantone (d) (Archiv,
2013)
Não
podia aqui faltar aquele que, com as “Quatro Estações”, há quase 300 anos criou
a definitiva banda-sonora estival. Para mais em versões originais não emendadas
(RV 281 e RV 187) e incluindo uma primeira gravação (RV 283). Carmignola é o apaixonado
decantador destas páginas, desta vez de poda tardia e de duradouro buquê,
evanescente mas obstinado dialogante com tão matizadas dinâmicas orquestrais.
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