Será um dos mais desconcertantes
factos acerca de John Zorn, o de na sua produção passar o hermético por
herético. Outro derivará de não se considerar, sequer, na peculiar fundação do
seu devocionário “Masada”, que a suposta ortodoxia judaica em que se baseia apenas
dissimula a investigação de uma identidade cultural através da hermenêutica, impulso
de qualquer consciência em crise. Sobre estas suas peças de êxtase folclórico,
contrariando quem lhe apontava a violência evangelista, disse já não se
tratarem de tábuas da lei como as que Moisés trouxe do monte Sinai. Ilustra-o “Book
of Angels”, o livro com cerca de 300 composições por si escrito em finais de
2004, origem da homónima série na editora Tzadik e prévio espaço de invenção
para iconoclastas como Erik Friedlander, Mark Feldman, Sylvie
Courvoisier, Joe Lovano, Uri Caine ou Marc Ribot. Este novo volume é
precisamente o que se esperaria do Metheny solista: o arquetípico bucolismo de
“New Chautauqua” (1979) ou a solene hinografia de “One Quiet Evening” (2003)
aplicados a genéricos modos do Médio Oriente – das partituras de Zorn manteve pouco
mais que melodia – numa fase em que explora as delirantes e libertadoras orchestrionics (conferir em “The
Orchestrion Project”, editado em fevereiro). Aproximando-se ambos dos
60, parecem, compositor e guitarrista, ainda mergulhados num imaturo transe de
hormonas e estudo, leituras e fantasia, sempre que a situação o requer. Pat aventura-se
por insólitas paragens – no último tema, ao piano, sugere o que faria Cecil
Taylor se descobrisse Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou – e desdobra-se por uma
dezena de instrumentos. Acompanhado por Antonio Sanchez à bateria, procede como
um miúdo numa loja de doces: quer todo o açúcar e nenhuma das consequências em
o comer.
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