24 de agosto de 2013

The Rough Guide To: Latin Psychedelia; Cumbia; African Disco; Psychedelic Brazil (World Music Network, 2013)






Muita água passou por debaixo da ponte desde que, há praticamente vinte anos, um pioneiro volume na antologia fonográficahomónima à dos célebres guias de viagem britânicos compendiava excêntricas tendências de mercado: de facto, em 1994, “The Rough Guide to World Music” reunia parcelas que aparentavam contrariar a hegemonia da cultura anglo-saxónica. No entanto, um olhar mais atento revelava a perversa combinação de fatores que, desde então, como um pecado original, vem maculando a coleção: escassez de material inédito, seleção de repertório eminentemente doméstica e de disputável certificação, favorecimento de expressões artísticas análogas às ocidentais, atração por híbridos estilísticos, inclusão de nomes apenas circunstancialmente impactantes. O tomo inaugural, exemplar para esta tese, mais não fazia do que passar em revista a imprensa especializada, olhar para as tabelas de vendas e colher a fruta madura: ‘Sama Rew’, com os senegaleses Pape Seck, Medoune Diallo e Nicolas Manheim, tinha origem nas sessões dos transatlânticos Africando organizadas pela Syllart; ‘Dugu Kamelenba’ provinha do segundo álbum ‘internacional’ da maliana Oumou Sangaré, editado pela World Circuit; ‘Zaiko Wa Wa’, gravado em 1976 pelos congoleses Zaïko Langa Langa, havia sido na altura estreado em CD pela RetroAfric; ‘Diandoli’ figurava numa das coletâneas que a Sterns dedicava às antigas cassetes da senegalesa Étoile de Dakar; ‘Tanola Nomads’ confirmava o sucesso de “Out of Tuva”, o disco com que a Crammed projetou a assombrosa voz de Sainkho Namtchylak. E por aí fora.

Hoje, quando a série ultrapassa os 300 títulos, seria injusto não reconhecer que algo mudou. Por mera acumulação patrimonial ou por faltarem pontos no mapa por assinalar, os guias não cedem já à avassaladora torrente de trivialidades turísticas que normalmente vulgarizam os pontos de chegada em virtude do número de preconceitos adquiridos no ponto de partida. E desde 2009, quando cada compilação passou também a incluir um segundo CD consagrado a um só artista, as coisas ficaram potencialmente interessantes. É o caso de “The Rough Guide to Latin Psychedelia”, que ao lisérgico composto de ideologia mestiça e fantasia tropicalista do primeiro CD (com ilustres representantes do psicadelismo latino-americano como Fruko e os Afrosound, El Opio, Pakines, Traffic Sound ou Spiteri ao lado de replicantes atuais como os Chicha Libre) adiciona um outro preenchido com remessas de paranoia ameríndia concebida pelos Destellos, os geniais sincretistas da chicha peruana. A mesma função cumprem Corraleros de Majagual em “The Rough Guide toCumbia”, tornando-se os temas do grupo elencado por Fruko, Alfredo Gutiérrez ou Calixto Ochoa pelo menos tão vibrantes quanto as variações de vallenato e cumbia afro-colombiana promulgadas no CD 1 por Pacho Galán, Aníbal Velásquez ou Integracíon. Já o desequilíbrio de “The Rough Guide to African Disco” (aproveitam-se o Tony Allen da fase “No Descrimination”, o ganês Pat Thomas, as nigerianas Lijadu Sisters e os seus compatriotas Mixed Grill) não se redime com o bónus de “Soul on Fire”, um daqueles LP dos anos 80 em que agentes do soukous – aqui, Vincent Nguini e Syran Mbenza – revisitavam clássicos da soul. Por fim, “The Rough Guide to Psychedelic Brazil” prolonga uma frustrante relação dos ideólogos dos Rough Guides com a música brasileira: nem à décima tentativa se esgravata muito para lá da superfície, com demasiados produtores contemporâneos (Laranja Freak, Siba, Graveola, Lucas Santtana e um CD integral para o boçal Jupiter Maçã) para que se justifique o enunciado da capa, e dependendo-se quase exclusivamente das reedições da Mr. Bongo (que licencia Lula Côrtes, Flaviola ou Marconi Notaro) para que Tom Zé não surja como o único testemunho do momento histórico que se pretende retratar.

Sem comentários:

Enviar um comentário