Orchestre des
Champs-Elysées, Philippe Herreweghe (d)
Sobretudo
em tempos de crise, e numa confirmação das suas mais ambíguas propriedades, abundam
no mercado fonográfico copiosas edições das três últimas sinfonias de W. A.
Mozart (1756-1791): a “Nº39 em Mi bemol maior” (K. 543), a “Nº40 em Sol menor”
(K. 550) e a “Nº41 em Dó maior”, vulgo Júpiter (K. 551). E, eximindo-se
considerações quanto ao que de mais moderno e conservador possuem umas e
outras, será no mínimo fascinante comparar as práticas antigas com as
hodiernas. Nessa perspetiva, interessará fundamentalmente verificar os efeitos
que têm os avanços historiográficos em cada leitura. Por exemplo, contrariando o
procedimento de há décadas – no qual, exortando de batuta em riste, maestros
levavam audiências a crer no que, em termos célebres e solenes, se designava
como o ‘apelo à eternidade’ nestas obras –, o presente modo de atuar surge
informado por estudos que comprovam que, porventura tanto quanto a pretensões
de posteridade, estas ilustres páginas escritas há 225 verões, entre junho e
agosto de 1788, prestavam contas a obrigações circunstancialmente bem mais
urgentes. Isto é, sabe-se agora que foram executadas ainda em vida do
compositor (menos vezes do que o esperado em virtude da guerra de 1787-91 entre
o Sacro Império Romano-Germânico e o Império Otomano) e que a própria fundação
da trilogia não foi fortuita: era então comum cada opus ser publicado em grupos ou múltiplos de três peças. Por tudo
isso, talvez, não se encontra aqui a pompa que, também em instrumentos de
época, lhe investiu Gardiner ou a afetação que lhe incutiu Abbado. Entre a
dinâmica visão de Jacobs e o cerco de seda com que o sitiou Mackerras, o que
Herreweghe propõe é que se fixe a atenção num deslumbrante radical de Mozart: a
transformação de todos os materiais à sua disposição num exótico encantamento.
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