24 de agosto de 2013

Gary Peacock/Marilyn Crispell “Azure” (ECM, 2013)



Numa conversa com o Expresso, em Munique, por altura da inauguração da exposição “ECM – A Cultural Archaeology”, Manfred Eicher, diretor artístico da editora, revelava-se pouco atento a algumas das suas efemérides e, até, algo indiferente a aspetos que se diriam patrimonialmente determinantes na sua formação. Mais interessado em discutir as idas a estúdio entre cada título produzido, trazia à memória o Nanni Moretti de “Querido Diário” quando, no capítulo “Ilhas”, confessava o realizador italiano que apenas no mar, no trajeto que o levava de uma ilha a outra, se sentia verdadeiramente feliz. Talvez por isso, quando se aguardava um projeto que assinalasse os cinquenta anos de comunhão entre Gary Peacock e Paul Bley – iniciada em sessões de 1963 que a ECM lançou em 1970 –, surja, ao invés, este dueto do contrabaixista num contexto à primeira vista mutilado, em virtude da forçosa ausência de Paul Motian, falecido em novembro de 2011. Isto porque foi com Peacock e Motian que Crispell se estreou na ECM, num fascinante “Nothing Ever Was, Anyway” (1997), a que se seguiu, com o mesmo trio, o não menos inspirado “Amaryllis” (2001). Mas nada é bem o que parece. Na realidade, “Azure” foi gravado entre janeiro e fevereiro de 2011 com a intenção de captar em definitivo uma parceria conhecida no circuito dos festivais de jazz europeus desde 1999. Nos tempos lentos, Crispell – o que não surpreenderá quem assistiu ao seu concerto com Gerry Hemingway no Jazz em Agosto de 2012 – não dissimula já uma pungente submissão à terna melodista que há em si. Peacock – mais próximo do que faz com Marc Copland do que com Keith Jarrett – é um invulgar escultor, subtraindo e adicionando à vez as camadas que compõem o centro e a periferia dos temas. Ambos, cada vez mais como aqueles académicos que descobrem tardiamente a comoção na música popular.

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