Numa
conversa com o Expresso, em Munique, por altura da inauguração da exposição
“ECM – A Cultural Archaeology”, Manfred Eicher, diretor artístico da editora, revelava-se
pouco atento a algumas das suas efemérides e, até, algo indiferente a aspetos
que se diriam patrimonialmente determinantes na sua formação. Mais interessado em
discutir as idas a estúdio entre cada título produzido, trazia à memória o
Nanni Moretti de “Querido Diário” quando, no capítulo “Ilhas”, confessava o
realizador italiano que apenas no mar, no trajeto que o levava de uma ilha a
outra, se sentia verdadeiramente feliz. Talvez por isso, quando se aguardava um
projeto que assinalasse os cinquenta anos de comunhão entre Gary Peacock e Paul
Bley – iniciada em sessões de 1963 que a ECM lançou em 1970 –, surja, ao invés,
este dueto do contrabaixista num contexto à primeira vista mutilado, em virtude
da forçosa ausência de Paul Motian, falecido em novembro de 2011. Isto porque
foi com Peacock e Motian que Crispell se estreou na ECM, num fascinante “Nothing
Ever Was, Anyway” (1997), a que se seguiu, com o mesmo trio, o não menos
inspirado “Amaryllis” (2001). Mas nada é bem o que parece. Na realidade,
“Azure” foi gravado entre janeiro e fevereiro de 2011 com a intenção de captar em
definitivo uma parceria conhecida no circuito dos festivais de jazz europeus
desde 1999. Nos tempos lentos, Crispell – o que não surpreenderá quem assistiu
ao seu concerto com Gerry Hemingway no Jazz em Agosto de 2012 – não dissimula já
uma pungente submissão à terna melodista que há em si. Peacock – mais próximo
do que faz com Marc Copland do que com Keith Jarrett – é um invulgar escultor, subtraindo
e adicionando à vez as camadas que compõem o centro e a periferia dos temas.
Ambos, cada vez mais como aqueles académicos que descobrem tardiamente a comoção
na música popular.
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