31 de agosto de 2013

Diego El Cigala “Romance de la Luna Tucumana” (Cigala Music, 2013)



No passado dia 18 de agosto, a fim de se instalar na República Dominicana, o madrileno Diego El Cigala aterrava com a sua família no Aeroporto Internacional de Las Américas e, algo perversamente, a sua ação trazia à memória as linhas de um poema de Pedro Mir – “Balada do Exilado” – composto nos anos 50, no momento em que, escapado ao regime do Generalíssimo Trujillo, residia em Cuba o escritor dominicano: “Peço o que mais me pertence/ A minha pátria/ Pela sua dor e pela minha/ Pelo seu sangue e pelo meu sangue/ Pela minha ausência e pela sua ausência/ Eu cantando baladas por terras de exílio/ Ela em cristais de açúcar por costas estrangeiras”. Era o desfecho de um plano anunciado em abril, por ocasião da primeira edição deste novo álbum, distribuída pelo diário El País, quando, em declarações à agência EFE, o cantor concluía ter de partir por não haver “futuro em Espanha”. “Não me conformo”, dizia: “Tenho 45 anos e assisti a uma hecatombe como nunca imaginei. Pais que se mataram para pagar carreiras a filhos que agora têm de emigrar”. No Caribe estará perto de Miami, Nova Iorque, Havana, Buenos Aires ou Cidade do México, de um mercado americano que o “adora”, prosseguia a notícia, lembrando que na sua pátria se contavam pelos dedos de uma mão as solicitações para espetáculos. “Aqui não há cultura, não há concertos nem promotores”, afirmava Cigala: “A situação das editoras é anedótica e ainda por cima dá-se esta subida do IVA. Como não hão de sair à rua pessoas a manifestar-se? Amo Espanha mas chega uma altura em que este estado de coisas te asfixia e se trabalhas é para as Finanças”. Rematava: “Parto enojado por senhores como Bárcenas, Rajoy e Aznar, a roubar desde os anos 90”.

“Romance de la Luna Tucumana” não é o resultado deste retiro mas, até pela sua filiação espiritual em Mercedes Sosa, que lhe provou o sabor amargo, antes, a indicação de que o tema do exílio ocupava há muito a mente de Cigala. Porventura desde “Cigala&Tango”, o seu CD de 2010 consagrado – essencial mas não exclusivamente – à canção de Buenos Aires, que ganha agora continuação. Talvez por isso, e contrariando um certo paradigma interpretativo de pendor populista, este é o seu disco mais literário, em que a liberdade do canto jamais se sobrepõe ao rigor da letra. Aqui, como quando em palco, pela voz dos atores, se cumpre um texto de um dramaturgo, trata-se de testemunhar a transmutação naqueles que encontram nas palavras de outrem os sentimentos que habitavam já, quiçá indecifravelmente, dentro de si. O que lança outra luz sobre ‘Naranjo en flor’, com o verso “Primero hay que saber sufrir/ Después amar/ Después partir/ Y al fin andar sin pensamiento” não tanto a evocar uma desfloração – o seu assunto real – quanto a enunciar o esquecimento enquanto endereço final do desgosto. E o mesmo se dirá acerca de ‘Déjame que me vaya’, ao ouvir-se: “Aunque me duela el alma/ Tan solo pienso en irme/ No quiero estar mañana/ Crucificado y triste”. Cigala, num insólito cenário criado pela guitarra de Diego García – com um twang surripiado a Duane Eddy – e pela percussão do mestre cubano Changuito, grita e, por uma vez, como em ‘Canción de las simples cosas’, é para que se ouça a si próprio: “Por eso muchacho/ No partas ahora/ Soñando el regresso/ Que el amor es simple/ Y las cosas simples/ Las devora el tiempo”. O flamenco, esse, permanece a sua primeira fatalidade e a sua derradeira fantasia.

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