La Reverdie, Adiastema
Descreve Silvia Evangelisti, autora
de “Nuns”, uma história da vida conventual: “Franzino, com a tez enegrecida pelo
passar dos séculos, o corpo incorrupto de Catarina, rodeado por relíquias e
iluminuras, encontra-se no interior de uma capela do mosteiro de Corpus Domini,
em Bolonha. Da Santa, as freiras conservam crucifixo, violeta e breviário e exibem
retábulos alusivos à sua prolífica série de êxtases, profecias e milagres”. Nascida
há 600 anos, Catarina Vigri (1413-1463) foi uma protagonista
crucial do movimento da Observância. Muito jovem, exemplarmente educada
enquanto dama de honra da filha do marquês de Ferrara, liga-se à regra de Santa
Clara de Assis e ingressa numa abadia. Reflete cruamente sobre provações e
incertezas vocacionais e sensualmente acerca de tentações e penas interiores. Deixa
precisas instruções quanto à póstuma reprodução e circulação dos seus tratados,
que chegaram a Portugal, e, com ardor missionário, afirma em “As Sete Armas
Espirituais”: “Escrevo, por recear a repreensão divina que sobreviria à minha recusa
em partilhar aquilo de que tantos devem beneficiar”. Livia Caffagni, fundadora
de La Reverdie, examinou a sua prosa manuscrita, as suas glosas e versículos e,
além do óbvio frenesi salvífico, detetou o recorrente tema das núpcias eternas,
que, já abadessa, Catarina diariamente cantava. Concentrando-se em “Os Doze
Jardins”, beatífica redação de 1433, organiza aqui algumas das laudas prediletas
da Santa em torno da ideia da itinerância da alma até à união com o Senhor. Os
arranjos vocais e instrumentais – que adaptam canções profanas do período – são
de uma graciosa licença poética. Ouvindo-os – independentemente da fé de cada
um – pressente-se uma arcana beleza, evocativa de umas linhas de Emilio Prados
que dizem assim: “A morte é um jardim/ interior, um espaço, um couto/ silêncio
muralhado/ pela pele do meu corpo”.
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