Quartetto Prometeo
“Reinvenções”,
chamou Stefano Scodanibbio (1956-2012) ao conjunto das obras reunidas neste CD,
pungentes derivações para quarteto de cordas a partir de “A Arte da Fuga” (Bach),
de peças para guitarra de compositores espanhóis (Sor, Llobet, Aguado, Tárrega)
e de populares canções mexicanas. Mas, com outro húbris, podia tê-las batizado
como revisitações, recomposições ou, talvez, tão perversa quão apropriadamente,
enquanto decomposições. Pois esta é tanto uma metamúsica quanto uma anamúsica,
com delicadas estruturas constituída por prismáticos harmónicos, figuras espelhadas
e invertidas ou vítreas e etéreas gradações – resultantes de indicações de
arcadas sul tasto e sul ponticello – que se deixam afetar por
uma letárgica recorrência a tempos lentos que, no limite, implicam um fascinante
paradoxo: estas páginas que já nasceram escritas nunca chegam verdadeiramente a
ganhar forma reconhecida. Por isso, a espaços, e com maior evidência canónica
nos ‘Contrapunctus’, sugerem um estágio de putrefação que difere da noção de
poslúdio desenvolvida por Valentin Silvestrov, por exemplo, e que se aproxima antes
de procedimentos recentes de James Kirby e William Basinski, possuindo, ainda,
afinidades espirituais com o Michael Nyman de “Decay Music” ou o Gavin Bryars
de “The Sinking of the Titanic”. No fundo, Scodanibbio atua como o estilista
que tem de desenhar roupa específica para casos avançados de fibromialgia ou
osteoporose: mantém um dispositivo formal mas torna-o mais ágil, flexível e
aberto, urde uma trama densa mas só usa materiais leves, isto é, cria uma
espécie de segunda pele que não chega a estar propriamente em contacto com a
primeira. Há exceções – nas vigorosas e arrebatadas ‘La Llorona’ ou ‘La
Sandunga’ – e uma pérola: uma ‘Bésame Mucho’ (Consuelito Velásquez) quase tão frágil
e bela quanto a que João Gilberto gravou em “Amoroso”.
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