Michelle
Makarski (vln), Keith Jarrett (p)
Ainda que
reduzidas ao essencial, estas sonatas para violino e piano – originalmente, seis
sonatas para cravo obbligato e violino,
BWV 1014-1019 – beneficiam da fraseologia taumatúrgica de Jarrett. No entanto, quem
venha a ler a entrevista do pianista a Ethan Iverson, na DownBeat deste mês, poderá
estranhar um discurso acometido por tantos escrúpulos. À inevitável questão, “É
o seu Bach – tão puro e rítmico – influenciado pelo facto de ser músico de jazz?”,
responde: “Não sei. Mas gosto do que ele disse acerca de se tocar lindamente: ‘toca
a nota certa no momento exato!’”. Eis o busílis. E, neste conjunto de peças de
J.S. Bach (1685-1750) – compostas no principado de Anhalt-Köthen e afins às suítes
para violoncelo, às sonatas para viola da gamba ou ao primeiro tomo de “O Cravo
Bem Temperado” – dir-se-á que, ao contrário do que foi historicamente
patenteado por notáveis incendiários como Grumiaux, Menuhin ou Busch, a forma
de ultrapassar eventuais dificuldades residirá em executá-las de maneira a
conservar-lhes o mistério, não a revelá-lo. Paradoxo compreendido por João
César Monteiro, que, em “À Flor do Mar”, através dos espontaneamente sutis Sigiswald
Kuijken e Gustav Leonhardt, utilizou o adagio
ma non tanto da “Sonata em Mi Maior” para que daquela casa debruçada sobre
a Ria Formosa não se elidisse o segredo. Foi uma tendência sublinhada por
Monica Huggett e Ton Koopman e, dispensando já instrumentos de época, mais
recentemente ensaiada por Frank Peter Zimmerman e Enrico Pace. Mas em nenhuma dessas
ocasiões se prescindia por completo de um anacrónico dramatismo – uma pista
para o identificar seria acompanhar o vibrato
nos violinistas – que Makarski e Jarrett denunciam agora como redundante. Quer
isso dizer que se procurou aqui fazer algo de instintivamente certo, embora
raro: entender o homem mais do que o seu mito.
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