14 de setembro de 2013

Schumann: Waldszenen; Piano Sonata Nº2; Gesänge der Frühe (Decca, 2013)


Mitsuko Uchida (p)
Tropicalizou assim Otto de Greiff os últimos versos de um poema dedicado por Hölderlin à musa Diotima: “Já o sol, esse teu tempo feliz, se pôs/ e pela noite gelada perdura um rumor de furacões”. Em outubro de 1853, inspirado pela visita do violinista Joseph Joachim, que a Brahms havia apontado a porta de sua casa, Robert Schumann (1810-1856) engendra uma sonata e, num caderno, anota: Diotima. Dessa modelação inicial sairia um ciclo de peças para piano, o Op.133, rebatizado “Gesänge der Frühe”, os “Cantos da Alvorada”. Numa carta de fevereiro de 1854, a dias de tentar suicidar-se saltando de uma ponte para o Reno, o compositor descrevia-o como o “retrato das sensações provocadas pela gradual aproximação da madrugada”. Quiçá permeável a uma especulação psicológica, entendendo-se num espírito romântico a alienação da natureza como o primeiro passo rumo ao total alheamento do mundo, é frequente representar-se de modo glacial este despertar, como na paradigmática versão de Jean Martin. Já Uchida aparenta concebê-lo como um espaço de inquietação no qual se desconhecem as consequências do tormento que em eco repercute. Aliás, é com reservas que a pianista se acerca das obras reunidas neste CD, arriscando apenas macular a ingenuidade que nelas se pressente, a combinação de extrema insegurança e inexcedível orgulho que possuem. Nem se supõe – basta comparar a sua interpretação com a de Argerich – que se tenha deixado arrebatar pela “Sonata para Piano Nº2 em Sol menor”, Op.22, ou, como Richter, tentado controlar completamente a encenação de “Waldszenen”, as “Cenas da Floresta”, Op.82. No caso destas, dir-se-á antes que, ao jeito de Maria João Pires mas num efeito em tudo distinto, foi a sua personalidade que projetou, dando origem a um Schumann incomum, esquivo e hesitante.

Sem comentários:

Enviar um comentário