Mitsuko
Uchida (p)
Tropicalizou
assim Otto de Greiff os últimos versos de um poema dedicado por Hölderlin à
musa Diotima: “Já o sol, esse teu tempo feliz, se pôs/ e pela noite gelada perdura
um rumor de furacões”. Em outubro de 1853, inspirado pela visita do violinista
Joseph Joachim, que a Brahms havia apontado a porta de sua casa, Robert
Schumann (1810-1856) engendra uma sonata e, num caderno, anota: Diotima. Dessa
modelação inicial sairia um ciclo de peças para piano, o Op.133, rebatizado “Gesänge
der Frühe”, os “Cantos da Alvorada”. Numa carta de fevereiro de 1854, a dias de
tentar suicidar-se saltando de uma ponte para o Reno, o compositor descrevia-o
como o “retrato das sensações provocadas pela gradual aproximação da
madrugada”. Quiçá permeável a uma especulação psicológica, entendendo-se num
espírito romântico a alienação da natureza como o primeiro passo rumo ao total
alheamento do mundo, é frequente representar-se de modo glacial este despertar,
como na paradigmática versão de Jean Martin. Já Uchida aparenta concebê-lo como
um espaço de inquietação no qual se desconhecem as consequências do tormento
que em eco repercute. Aliás, é com reservas que a pianista se acerca das obras
reunidas neste CD, arriscando apenas macular a ingenuidade que nelas se
pressente, a combinação de extrema insegurança e inexcedível orgulho que
possuem. Nem se supõe – basta comparar a sua interpretação com a de Argerich –
que se tenha deixado arrebatar pela “Sonata para Piano Nº2 em Sol menor”, Op.22,
ou, como Richter, tentado controlar completamente a encenação de “Waldszenen”,
as “Cenas da Floresta”, Op.82. No caso destas, dir-se-á antes que, ao jeito de Maria
João Pires mas num efeito em tudo distinto, foi a sua personalidade que
projetou, dando origem a um Schumann incomum, esquivo e hesitante.
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