Mark Dresser possui um par de
álbuns absolutamente inclassificáveis na Tzadik, que batizou como “Banquet” e
“Marinade”. Entretanto, no início da década passada, em “Aquifer”, apresentava
um tema denominado ‘Digestivo’. E o mínimo que se pode dizer é que, na
aparência, este “Nourishments”, em que surge ‘Aperitivo’ ou uma dedicação ao chef Paul Canales – que, após 15 anos no
restaurante Oliveto, inaugurou este ano o Duende, ainda em Oakland, privilegiando
uma agenda de música improvisada ao vivo no acompanhamento da degustação dos
seus pratos –, prossegue uma peculiar preocupação com aquilo que, no limite,
anima o trato gastrintestinal. O gesto é eminentemente alegórico. E outra coisa
não sugere a natureza-morta de Floris van Dyck reproduzida na capa deste CD,
que, a pretexto de retratar um comum pequeno-almoço holandês (c. 1610) encena antes
uma liturgia eucarística: atente-se à simbologia transubstancial do copo de
vinho, do cacho de uvas ou do pão, repare-se na toalha de mesa branca e no
queijo em alusão ao período da Quaresma, na maçã cortada em referência ao
pecado original, etc. Ou seja, também Dresser aparece aqui numa surpreendente
adesão a um rigoroso conjunto de princípios estéticos e regras composicionais –
no caso, do jazz –, naquele que, amiúde toldado por uma capacidade de síntese ligeiramente
aquém da ideal, se revela um registo essencial na sua discografia. Dir-se-á que
no estelar consórcio que reuniu está a razão para tão grande sucesso – à
exceção de Michael Sarin, que alterna a posição com Tom Rainey, os restantes
elementos do quinteto, Denman Maroney, Rudresh Mahanthappa
e Michael Dessen, lideram projetos noutras edições da Clean Feed. Mas a verdade
é que tudo depende destas peças de corajosa construção rítmica, inusitado
sentido de estrutura e memorável disposição melódica.
Sem comentários:
Enviar um comentário