Quando criada, em 1953, a Riverside
era como um areal ancinhado por Bill Grauer e Orrin Keepnews, zelosos respigadores
em busca de detritos deixados nas enxurradas do ragtime, boogie-woogie e swing – atestam-no as primeiras referências
na etiqueta, dedicadas a Jelly Roll Morton, Albert Ammons ou Duke Ellington. Só
que esses apóstolos de uma religião cedo se converteram em neófitos noutra. Assinando
Thelonious Monk, Randy Weston, Sonny Rollins, Johnny Griffin ou Abbey Lincoln, e
na senda das concorrentes Prestige, Contemporary ou Blue Note, a editora, em
nome próprio e através da subsidiária Jazzland, e conquanto não fosse essa a
disposição inicial dos seus fundadores, veio a revelar-se uma diligente prospetora
de jazz moderno. Sessenta anos depois, a partir de jurisdições menos
restritivas em termos patrimoniais, é óbvio que estas gravações – por negligência
do proprietariado e por, em suficientes países, terem entrado em domínio público
– passaram já pelas mais variadas mãos. Nesse âmbito, tem-se hoje como certo o
que anteriormente se subestimava: que nenhuma tiragem dura para sempre; que
colecionadores no mundo inteiro, ainda que integral ou avulsamente as possuindo,
favorecem a excelência técnica e a inserção de inéditos nas suas reposições; e que
apenas a sua manutenção em catálogo pelos detentores das matrizes tem um efeito
regulador nos mercados. Bem o sabe a Concord, atual publicadora da Riverside, que
relança estes discos com remasterizações, novos textos nos livretos e estreias
resgatadas às bobines – de modo perverso, num ano de simbólico aniversário, e com
um punhado de títulos de batismo tão otimista, lembra sessões organizadas em
torno de líderes que nem em França teriam atingido a idade mínima da reforma.
“Things Are Getting Better”, de
1958, junta Adderley ao vibrafonista do Modern Jazz Quartet e, sem desprimor
para Billy Mitchell, confirma a falta que o saxofonista fez no encontro entre
Jackson e Ray Charles, nesse ano dado à estampa. A reunião foi estelar mas
desafetada, colorida por Art Blakey, Percy Heath e Wynton Kelly. Mais tensa, a adesão
de Chet Baker ao repertório do libretista Alan Jay Lerner e do compositor
Frederick Loewe, de 1959, não foi por isso menos evasiva: aliás, talvez as evocações
das Terras Altas de “Brigadoon”, da Paris de “Gigi” ou da Londres de “My Fair
Lady” tenham estado na origem do exílio europeu do trompetista, acabado de sair
da prisão de Rikers. Mas tal como em “Chet”, com o essencial do grupo que aqui
o acompanhava (Bill Evans, Herbie Mann, Pepper Adams), só fazia ouvir o seu
espectro. Outra coisa não assombrava o autor de “How My Heart Sings!”. Proveniente das mesmas
visitas a estúdio – de 1962 – que resultaram em “Moonbeams”, o LP é tido como uma
esconjuração de Scott LaFaro, cujo óbito, meses antes, havia
devastado Evans. Não obstante a cordata presença de Chuck Israels, é Paul
Motian que carrega às costas o pianista, entregue a sombrias harmonizações e
improvisações de tão fascinante quão incaracterística frialdade (versões até
agora ignoradas de ‘34 Skidoo’ e ‘Everything I Love’ são esclarecedoras). Por
fim, “So Much
Guitar!”, de 1961, aumentado pelo LP “The Montgomery Brothers in Canada”, e
impecavelmente sustentado por Hank Jones e excentricamente comentado por Ray
Barretto, é de um genuíno conforto caseiro, com Montgomery, jamais
recalcitrante, a patentear um idioma de lacónica adulação, que lhe
sobreviveria.
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